Pedido
de mãe não se recusa!
Qual filho não atende?
Deixei-o partir numa manhã, enfim
Não cabia mais na casa.
Não fazia mais as refeições na mesa.
Deixava nos todos tão sem jeito.
Sempre
com a cara cheia de cachaça.
Nunca soube quem desistiu primeiro.
Depois de tantos anos, afinal, quem se lembraria
De algo direito?
No
começo o seguia pela rua.
Acompanhava com os olhos as horas perdidas,
No fundo do copo.
Não via as lágrimas minhas, nem de ninguém.
Sempre achei que não se importava.
Manhã,
tarde e noite.
Uma, duas, três doses...
E depois vem aquela alegria que não
Cabe em si de tão grande.
E depois vem aquela coragem, toda aquela
Força, a destreza na palavra que mágoa.
A certeza de que a vida não valeu a pena.
Que todos são culpados de seu fracasso, de seu infortúnio.
E depois vem as faces coladas no chão.
A guia da rua tomada como travesseiro.
Para a fome já não liga,
Não se lembra mais nem de que a água não tem gosto.
Amigos
de copo vão e vem, ficam só os
Copos cheios ou vazios.
Verdadeira filosofia, feita ali mesmo em qualquer
Botequim.
Mas a família sempre sabe a resposta da pergunta!
Sabe muito bem que não importa se o copo está meio cheio,
Ou se o vazio ocupa a outra parte que nada tem.
Dor e vergonha se misturam.
Perde-se
a fome, dobra-se a vontade ao vício, a alma se
Perde em meio a sonhos e brumas, fantasias são sempre assim.
Distantes da razão.
`Largo isso quando quiser!`
o dia do querer passou de muito,
não lembra mais a última refeição que fez.
Tantos dias sem comida, tantos dias sem saber.
Fez como Quincas, não pediu licença nem a Machado,
Terceiro degrau do lado direito de quem sobe a escada
Da igreja de São Francisco seu último endereço.
E para que dele precisava?
Ninguém mais o procurava...
Pedido
de mãe não se recusa...
No seu enterro ninguém compareceu,
Sem padre para encomendar o corpo,
Sem missa nem oração.
Sem dinheiro para caixão e ritual
Desceu a terra no caixão de nó de pinho.
Gentileza da prefeitura, cruz com um número qualquer que anotei
e joguei no bicho naquele fim de tarde.
Pedido
de mãe não se recusa...
Acabou meu filho, acabou, não chore.
Teima a lágrima no canto do olho.
O carteado perdeu a graça, as peças
Do dominó não se encaixam
Nos
últimos tempos, dizem, que ele não se
Lembrava mais de nada nem de ninguém.
E eu aqui não consigo esquecer!
A voz daquele homem que me embalava em seus braços.
Que contava tantas histórias, me ensinou a jogar bola.
A não chorar quando perder algo.
Pedido
de mãe não se recusa...
Outro dia desses visitei seu túmulo outra vez.
Lá estava a musa, a tão amada, que descobriu muito tarde
Ser a inspiração de seus poemas.
O motivo pelo qual seus dedos teimosos dedilhavam tanto as
Cordas do violão como do cavaco.
Não
lhe dirigi a palavra.
Assobiei o último samba que ele fez
Para ela.
Vi seu sorriso, vi suas lágrimas, ouvi seu soluço.
Partiu sem olhar para trás e sem dizer nada.
Compreendi
o velho!Finalmente, compreendi o velho.
Foi essa indiferença que o matou.
Não posso amar você assim, do jeito que você quer -
dizia a letra.
Um dia desses você vai encontrar alguém que te ame tanto
quanto
Você me ama, respondia o poeta no refrão.
Encontrou,
mas a dor nunca passou.
Pedido de mãe não se recusa...
Ele mesmo me ensinou.
Que
faço eu com essa dor, pai?
Agora que você se foi...
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