Tema 181 - Farrapo Humano
BIOGRAFIA
A CORDA E A CRUZ
Tieme Mise

Agarrado ao um resto claudicante de esperança e vendo os destroços sendo levados pelo vento ensurdecedor que vibrava querendo arrancar o tronco da palmeira onde se prendeu com a grossa corda de amarrar o seu único barco produto de suas economias, na hora das enormes ondas, pensou ser irremediável o fim.

Impotente e incapaz de lutar contra as forças da natureza revoltada, se sentiu como um farrapo humano, agarrado ao tronco que fremia parecendo atacado por um grande mal. Suas mãos cansadas estavam rígidas pelo esforço de se segurar. Seu corpo doía, castigado pela chuva forte que parecia um chicote açoitado pelo vento. Sua vontade ia sendo minada pelo desespero. O barco se fragmentara em várias lascas de madeira que foram cuspidas pela ventania como caroços de melão maduro que se quebra ao cair do galho.

As águas haviam crescido e solapavam os alicerces das casas praianas cujos moradores, juntando o pouco que tinha haviam partido para as montanhas, ao primeiro rugido do mar. Muitas já tombavam ficando em uma posição não anatômica, mostrando os tecidos internos de ripas e rebocos sendo levados pela correnteza.

André tentou se esquivar dos destroços que voavam, nem sempre com sucesso. Seu rosto estava cortado e sangrando. Havia em suas costas algo pontiagudo dolorosamente inserido. Procurou não pensar pois o esforço de não se soltar era maior que a dor da ferida. A palmeira resistia, heroicamente. Só não sabia até quando. Quanto tempo havia se passado? Quanto tempo lhe restava?

Não agüentaria mais que alguns minutos. Os braços, agora insensíveis pela rigidez muscular, não sentiam a corda que rasgava a sua carne castigada. Uma letargia foi tomando conta de seu cérebro embotado, mas a dor do ferimento da costa o manteve desperto.
Não podia ainda descer, pois seria arrastado e morreria.
Ao sentir que o vento amainou a sua fúria louca a chuva diminuiu. Resvalou para o chão sem sentir que caia.

Os primeiros raios de sol banharam a devastação daquela noite diabólica. Abriu os olhos sentindo ardor quente na pele fustigada. Estava vivo! Vencera o invencível. Ajoelhou-se e rezou. A sensação de impotência se foi. Um sorriso meio tímido corou seus lábios gretados. Caminhou devagar tentando não se machucar mais com tantos pedaços de tudo. Estava vivo. A sensação de poder o dominou. Sentia-se privilegiado. Começou a gargalhar e a correr, incontido no prazer de ter vencido. De farrapo a herói em apenas algumas horas. Os que o viam o julgaram louco mas agora ele sabia o grande valor da vida.

Ainda sorria quando o médico retirou de suas costas o estilhaço da cruz de ferro que voara da capela, inexistente agora.

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