MANCHETE
DE JORNAL
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Gabriela
Domiciano
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Essa pode ser mais uma história estampada na manchete de qualquer jornal por aí. Dessas que nos fazem, sem sucesso, procurar por razões. Talvez até hilária para alguns. Mas, tão logo acabe o dia, será esquecida a fim de novas notícias lhe tomarem o lugar. Um homem, com seus quarenta e poucos anos, se encontra sozinho no interior de uma sala, numa delegacia. O relógio marca quase uma da madrugada. Ele levanta impaciente, anda, passa as mãos pelo rosto, pelos cabelos. Volta a sentar. Esconde o rosto com as mãos. Olha para o relógio. Suas rugas, em grande número para a idade, se acentuam. Sentado, ele mantém os olhos vidrados em direção à parede. Está tentando entender. Faz enorme esforço, tanto quanto lhe permite a inteligência, para compreender e organizar a situação em sua mente. Porém os pensamentos fogem. Pensa que devia ter ido até o fim, cumprido todo o plano, explodido tudo. O que tinha ele a perder? Uma porta se abre: "Ildemar Pereira, por aqui". Sala vazia, a não ser por uma mesa com duas cadeiras de frente uma para a outra. "Sente-se! Pode dizer os motivos de seu comportamento?" Motivos? Ildemar olha para baixo, em direção à mesa. Silêncio. Vem-lhe à memória ele e sua mulher, ainda jovens, recém-casados, apesar das dificuldades, com os sonhos típicos dessa fase. Lembranças! Amava-a, mesmo a tendo enganado algumas vezes. "Precisava fazer alguma coisa. Minha mulher adoeceu. Estava desempregado, sem dinheiro. Ela morreu. Dias depois chegou um mandato de despejo. Ninguém me ouvia ou ajudava. Eu mesmo fiz a bomba, não foi difícil. Tinha que agir! Estava disposto a explodir tudo". Ildemar já trabalhou em várias atividades, ora com emprego fixo, ora não. Sua mulher era faxineira. Desempregado, vendo a mulher definhar, contas para pagar, veio o desespero. "Tem filhos?" "Não, ela não podia". Aconteceu tão rápido: a doença, a falta de dinheiro, a morte, o mandato de despejo, o plano, o medo, a loucura, a rendição. Não teve coragem. Confusão, raiva, ao final nem sabia o que estava fazendo. Rendeu-se. Um louco? Essa era a idéia do interrogador a respeito dele, não se importava com Ildemar, não podia, ou não queria, entendê-lo. "Pode aguardar lá fora, onde você estava". Espera e angústia. Realmente devia ter explodido. Vontade de gritar, quebrar, destruir. Mas, sem forças, acaba por se deixar sentado num canto. Lágrimas? Elas emergem de seu interior. "Homem não chora!" No entanto elas são inseguráveis. Abaixa a cabeça, as lágrimas pingam pelo chão. "Pode ir Ildemar, está liberado por hoje". Acreditam que ele não representa nenhum perigo. Ildemar abre a porta. Madrugada. Ruas desertas. Bêbados sem rumo. Mulheres se oferecendo. Luzes distantes. Nada. Pela manhã, uma senhora, ao sair para comprar leite, passa em frente uma banca. Na manchete do jornal: "Ontem, à tarde, um homem, identificado como Ildemar Pereira da Silva, 45 anos, provocou tumulto na praça central da cidade, mobilizando a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, além dos curiosos. Portava uma faca e um artefato caseiro que garantia ser uma bomba. Por volta das 23 horas, conseguiram convencê-lo a desistir de seu plano, levaram-no para uma delegacia, onde foi interrogado e depois liberado. O artefato será periciado". Após ler, a senhora segue calmamente. Só mais uma manchete de jornal. |
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