TERAPIA
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Alcy
Filho
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Quando eu saí de casa me senti um cão sem dono. Vivi tanto tempo naquele apartamento. Eram tantas lembranças, tantas raízes. Separar-me de Laura foi o pior. Ela nem ao menos disse "Não é você, sou eu", ou tentou me consolar. Apenas jogou o tema "divórcio" na minha cara. Dias depois, quem foi jogado fui eu. Para fora do apartamento. Em todos os meus testes de personalidade fui tachado de melancólico. Não era para menos. Meus impulsos suicidas perseguiram-me desde a infância. Qualquer obstáculo, qualquer dificuldade era motivo para eu desistir da vida. Isolava-me de todos, trancava-me no quarto e culpava-me pela falta de coragem em me suicidar Mas quando conheci Laura mudei por completo. Surgiu-me uma veia sangüínea (ou seria colérica?). Tornei-me impulsivo, romântico. Eu era dela e estava pronto para tê-la sempre comigo. Daí veio o casamento e cinco anos de amor e cumplicidade. Compramos um apartamento no centro da cidade, com uma vista maravilhosa para o parque central. Passávamos longas tardes na varanda, ouvindo a melodia que os pássaros compunham para nós. Tudo isso se evaporou quando ela conheceu a "outra pessoa". Nem tive estômago para perguntar o nome. Com certeza ele devia ser muito bonito. Aliás, nem precisa ser "muito", para ser mais que eu. A propósito, o que ela viu em mim? Alto demais, magro demais, estranho demais. Este era eu quando nos conhecemos. Sei que o normal seria pensar "O que ele tem que não tenho?". Mas não me dei ao luxo de transparecer minha auto-estima. "Agora cada um segue seu caminho", ela disse, "Sabemos que o amor não dura para sempre. Essa é a graça da vida. Poder curtir e amar mais de um". Até hoje procuro essa "graça" a qual ela se referia. E quem disse que o amor não dura para sempre? Eu não sabia disso e continuo sem saber! Até agora, escrevendo este texto, sinto esperança de que tudo seja um pesadelo. Um longo e doloroso pesadelo. O terapeuta disse que se eu escrevesse tudo ao meu ponto de vista, a dor seria mais fácil de superar. "O melhor que tem a fazer é compartilhar. Não somos obrigados a carregar tudo sozinhos". Quem dera eu acreditasse nisso. Mas mesmo não acreditando, até parece dar certo. Enquanto escrevo, parte do que sinto é transferido às palavras. O difícil é me afastar da lembrança de que estou só e não tenho mais Laura. Este novo apartamento é tão pequeno e solitário. Não tem o perfume dela. Não tem a vista para o parque. Não tem a música dos pássaros. Sei que agora Laura está feliz. Sinto-me bem por ela, mas ainda assim dói saber que não sou eu quem está ao seu lado ouvindo a melodia, observando o parque, sentindo seu perfume. É loucura, eu sei, mas ainda assim não me arrependo de ter amado e ainda amar. Sinto-me acabado, destruído por dentro e por fora. Um farrapo, por assim dizer. E ainda assim, mesmo doendo, gosto de relembrar aqueles breves anos. Fomos felizes e sei que ela me amou. Resta-me agora acreditar que Deus me resgatará desse mar de angústia no qual mergulhei. E que as palavras deste texto absorverão a tristeza, a dor que me assola quando lembro que Laura não me espera no quarto para dizer que me ama. Resta-me agora acreditar em todo o romantismo que me abandonou. Que se eu olhar para as estrelas ela também olhará. Mesmo estando com outro, recordará que fomos amantes e cúmplices. E acreditará na eternidade dos sentimentos. Na existência de uma única pessoa com quem podemos compartilhar a verdadeira essência do amor. |
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