TERÇO
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Tereza
Pires
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corptexto:
No vôo iniciado, milhões de fios destecendo poeira na luz,
amarelos, buscam qualquer azul ou verde de mar aberto. Ondas das asas
fazendo história nos gestos esquecidos. Cientistas não sabem
acenos ou bilhetes. Este homem sabe ir comigo até praias, dunas,
desertos e cidades. Um ponto longe, longe que se chega depois de oito
milhões de buritis. Ele vai comigo, atravessa ventos e chuvas,
apenas para existir diferente dos que não resistem ao fascínio
da terra. Depois, exaustos das ondas arrebentando asas na pele, costas,
dormimos inocentes, onde o corpo acolhe gente de bem. Quando sentamos
à beira das linhas, os pés imersos, observamos o fascínio
grudado nas árvores, não falamos da fome e nem nos alimentamos
de raiz, devoramos as máscaras que entalhamos. E quando o ponto
longe já é perto, ele volta comigo, atravessa desertos,
tempestades de terra e sal. Às vezes rumo sem ele para o longe, apenas para vê-la escondida na ponta da alma, onde risca órbitas de borboletas. Sento á beira das linhas para cuidar em segredo. Enquanto espero, balanço os pés e propago ondas no branco. Quando ela surge do meio das espumas é festa em mim. O vestido estampado que teceu com os fios de Ariadne que recolhi a todo transe, postados fio a fio cada dia que a deixei, anteface vestida indiferente e publicado lá, minguando, roto de vento salgado, quase nuvem, exigia palavra na garganta, desassossegando meu silêncio. Quem essa mulher que me atravessa? Ela arrasta distraída o arco e as flechas envenenadas que recebeu do deus sonso e dobrado. Ferida nos flancos e nas coxas, ela nega paixão, há em sua fronte uma coroa de heras. Na ponta da alma onde exila, as chagas exalam dor. As borboletas são fingimento, o cheiro que desprende de cada ferida aberta, apenas sublimidades podem suportar. Um
tempo, esperei até que seu corpo cansasse e seus olhos desistissem
no silêncio denso, fui até a ilha e toquei as chagas que
nunca fecham, achava que podia cauterizar a carne morta que ela caligrafa
na existência, só porque pensa que sem o cheiro da dor já
não sabe respirar. Ela repugnou minhas mãos. O deus sonso
a prevenira e gravou o selo nas setas com veneno. Dia vem, respiro a vertigem nas trilhas verdes azuis e com as cores que sobram, arrasto poeira às brasas, para que ela não esqueça de tecer enquanto anda distraída e arrasta arco, flecha e ausência.
Ainda a vigio sem que saiba. Alimento círculos de fogo para que a noite morra acesa. No longe, até ela pode congelar no inverno. Depois, tomo conta para que os bichos e as lendas não construam casulos em seus olhos e nada digo aos seus sonhos. Adormeço. Talvez Deus voltasse a pairar sobre as águas. Ressuscitadas, as aves do amor presas na garganta trouxessem vermelhos insuspeitados, como os que se tingem nas cidades do oriente, e, fortíssimo, o azul delicado de flutuar esgarçado, romperia o espaço sereno do mundo, onde meu farol acende para dentro o impronunciável em meus olhos. Não
fossem os olhos grandes e ingênuos do homem que habita no amor em
mim, os fios destecendo amarelo na poeira do vento que nos chama, e a
chuva intermitente das ondas arrebentando asas nas costas. Não
fosse essa piedade imensa que sentimos da humanidade e que sentimos nos
caules desbotados das flores e borboletas de giz colorido desenhando as
estações, flutuando desencanto que já seca suas gargantas
e o desespero de fome e de amor, desmanchava as linhas com as pontas dos
dedos, distraía os olhos cansados. Não fossem os olhos deste
homem que me espera, desmanchava o longe, apenas mais um gesto esquecido.
Adormeço, no sonho resolvo o viver. Agora, o mar é só o fundo na gente, a vida prolifera pequena de se alimentar de algas e de si mesmo, a escrita faz sede na fonte, a pedra das palavras brota terra seca da boca, arranca sangue pra alimento e seca inútil, encolho desejo de qualquer vento, o ar flecha cores de mim e nada tenho a oferecer para que o arco-de-deus seja. |
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