O
VOVÔ QUE GOSTAVA DE IOGURTE
|
|
Regina
Borges
|
|
Conheci-o numa das avenidas do supermercado. Chamou-me atenção o fato de que estava impecavelmente vestido e o seu delicioso jeitinho de andar imitava um robozinho. Era um velhinho simpático, sem dúvida! Carinha rosada, enfeitada com um óculos de aro fino, ajudante de ordens, posto que a miopia, já lhe castrara todas as chances de enxergar a olho nu, as guloseimas expostas nas prateleiras. Caminhava de um jeito curioso e determinado, apesar de arrastar os pezinhos pequenos. Parecia um conta-gôtas! Tinha uma bengala afoita que lhe abria o caminho, como que a dizer:sou sua proteção... Não se atrevam a cruzar meu caminho. Envergava um terno risco-de-giz,azul-marinho, camisa branca e gravata borboleta, também marinho. Os sapatos? Ah! Esses brilhavam de tão bem engraxados. Cheguei perto. Queria sentir-lhe o cheiro. Geralmente os velhos cheios de achaques, preguiçosos do banho cotidiano adquirem um odor de coisa mofada.Mas ele? Tinha um cheirinho bom de leite de colônia. Parecia ser vaidoso de sua performance. Comecei observá-lo com a curiosidade literária do escritor em busca de mais um personagem.Assumindo uma postura de detetive profissional comecei a segui-lo... Primeiro, nosso vovô octogenário foi visitar a rua das calcinhas e soutiens... Era um voyeur excêntrico, com certeza! Amassava nas mãos rugosas, mas bem tratadas, as lingeries presas nos cabides como se ali estivesse bolinando as carnes voluptuosas de uma ninfeta tesuda. Fingi estar interessada também num conjunto de lingerie e, para disfarçar, dei as costas para ele. De vez em quando usava o retrovisor, as olhadas de soslaio, aquelas viradinhas rápidas para constatar a ação do sujeito.
Cheguei à conclusão: Ali estava um vovô voyeur, libidinoso e tarado. Que figura! Esquecida das minhas compras, estava eu ali, espionando a vida dos outros.Que coisa vergonhosa!Precisava, contudo de um personagem e lá fui eu, atrás do vovô "Carlitos"...Assim o apelidara por causa do chapeuzinho e bengala... Depois de desbravarmos todas as ruas e avenidas do supermercado, chegamos à avenida dos derivados de leite. Nosso simpático vovô, descansando a bengala no balcão refrigerado, pegou um iogurte nas mãos e abrindo o potinho, virou-o de um só gole... e outro... e outro... Cinco! Era um cleptomaniaco, além de voyeur, libidinoso e tarado... Tomava os iogurtes, abrindo-os com todo cuidado para não deixar vestígios de sua degustação arbirária.Assim que tomava um potinho, tratava de colocá-lo no fundo da prateleira como se estivesse intacto. Será que deveria denunciá-lo? Pensei todavia... Quem sou eu para julgar qualquer ser humano? Depois de lambuzar os bigodinhos com cinco deliciosos potinhos de iogurte, o velhinho pegou sua bengala e no seu andar de robozinho foi dirigindo-se para a saida. Cheguei perto de um funcionário que etiquetava umas mercadorias e perguntei; _O sr viu aquele velhinho tomando iogurte? _É o "Sem Vestigios", o vovô que gosta de iogurte. É conhecido de todos. A direção do Supermercado faz vistas grossas para o seu roubo gastronômico cotidiano, porque é apenas um velhinho que têm un único prazer na vida: Fingir que é criança. A sra já percebeu que toda criança adora tomar iogurte? Que figura! |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|