O
FANTASMA
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João
Rodrigues
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Na época em que ainda não existiam carros naqueles grotões do sertão, as pessoas viajavam a cavalo, léguas e léguas, de noite ou de dia. E isso era comum. Longe de tudo, qualquer povoado ficava completamente isolado do resto do mundo e, às vezes, quando se precisava de um médico ou de uma parteira, viajava-se a noite toda no lombo de um cavalo sob o clarão da lua ou na escuridão infinita. Não era tão perigoso como nos dias de hoje, é verdade, mas tinha lá seus riscos. Encontrar pelos caminhos uma cobra venenosa, ou um cachorro doido, ou um guaxinim disposto a não deixar o viajante passar ou até mesmo um lobisomem nas noites de lua cheia, não era muito difícil... ou até mesmo uma alma penada. Sim. Coisa muito comum no sertão. Como os coronéis mandavam e desmandavam naquelas bandas, era evidente que a injustiça fosse tão comum quanto era (e é) comum os menos favorecidos serem injustiçados. Famílias inteiras eram expulsas de seus pequenos terrenos e saíam pelas estradas em busca de abrigo e acabavam caindo dentro de uma fazenda onde trabalhavam durante toda a vida sendo exploradas, de segunda a segunda, sem direito a nada. Tudo que ganhavam nem mesmo dava pra pagar a conta no armazém do patrão, o que o tornava obrigado a ficar anos e anos trabalhando para o mesmo patrão se não quisesse ver a família passar fome. Naquela época, muitas injustiças aconteciam (talvez não menos que hoje) e, quando alguém morria, a Providência divina cobrava a conta de quem estava em débito. Portanto, o sertão era cheio de fantasmas agonizantes nas beiras de estradas, vestido de preto com olhos de fogo, outros pedindo perdão a quem passasse em determinado lugar... Cada
viajante tinha sua história pra contar. Alguns exageravam. - Cumpade, onde já se viu existirem fantasmas, almas de outro mundo, visagens?... Isso é coisa de gente medrosa, que vê um monstro onde pisa um grilo! - Passe na Ponte dos Marianos, cumpade, depois de meia-noite, e você vai ver o Capeta em pessoa. - Dizia Seu Manuel. Certa noite, Capitão Luizinho precisou viajar algumas léguas pra pegar a parteira pra fazer o parto de uma vizinha. A cavalo, saiu em disparada, pois o caso tinha urgência. Ao passar na Ponte dos Marianos, que dava pra Fazenda Jatobá, um cavaleiro negro passou por ele a toda velocidade. Ele apressou seu cavalo, apesar de não ter medo de nada, seria sempre bom ter companhia, talvez pudessem conversar e quebrar o silêncio mortal da noite enluarada. A uns trinta metros de distância o cavaleiro negro parou. Capitão Luizinho pode ver o cavalo do desconhecido cuspindo fogo, enquanto e uma tremenda risada estranha cortava o silêncio que reinava naquela noite. Sim. Uma alma penada. Era o Coronel João Belizardo. O cavaleiro negro que assombrava toda a região estava ali, na frente do homem mais destemido daquelas bandas. Capitão Luizinho fechou os olhos, esporeou o cavalo e partiu em disparada. Mal viu quando chegou à casa da parteira. A parteira, que, devido ao barulho de um cavalo em disparada, já estava à porta, acostumada a esses acontecimentos, sentiu algo estranho: - Capitão, você está bem da barriga? Tem uma mancha na parte de trás de sua calça. - É verdade, comadre. Devido à razão da urgência, não tive tempo de parar no caminho. Fazer o quê, né! Mesmo assim, Capitão Luizinho parece que ficou tão envergonhado que se escafedeu sem deixar nem vestígios. |
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