SINISTRO
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Beto
Muniz
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- Porra!!! Um berro xingado assim no meio da madrugada, faz o galo velho se espreguiçar e conferir se é hora de alarmar a manhã ou se é insônia... Apenas sombras e trevas! Tem também o fuzuê vindo lá das bandas do poleiro dos homens. Logo após o "porra" foram esbravejados outros impropérios. A voz rouca de quem bebeu além da conta e acorda se dando conta que algo não vai bem. Meio no mundo de Baco, meio saindo do reino de Morfeu percebe o menino, coisa mais esquisita, magrelo, medroso, calado, se enfiando debaixo das cobertas. O caçula tem mania de se meter entre o pai e a mãe. O pai xinga. Acordou com os calções molhados de urina se encostando nele, gelando fora de hora, fora de turno. Era turno da ressaca de domingo, dia de folga da lida, folga da vida, se desgraçar na bebida. - Fidumaégua... Cê tá mijado muleque! Sai daqui, intojo! O pobre se encolhe pros lados da mãe, que não grita, nem acorda com as roupas geladas porque já estava acordada desde que o porra do pai acordou o galo. - Vem... Uma irritação gentil puxando o menino pra fora da cama, desce junto, já calçando as chinelas. Não diz mais nada, vai carregando o moleque, puxando pelas mãos. Ele segue. No umbral olha pra trás, o pai está de olhos fechados, voltando a dormir. O galo não cantou, deve ter se acertado com a velhice ou percebeu que não era hora de dar o alarme. - Mãe, tem um monstro dibaxo da cama chamano o pai. - Dexa de bestage. Tira essi short e vesti essi otro. Ele faz o que a mãe ordena enquanto ela vai até o colchão molhado, vira a mancha pro lado do estrado, troca o lençol e afofa o travesseiro. - Bora, vem deitá! - I u monstro dibaxo da cama? Ela se abaixa, olha, passa a mão e diz que não tem nada, que foi sonho ruim, coisa de quem comeu além da conta antes de dormir... - Cumeu dimais i bebeu dimais tamém, né? - e já emenda como se soubesse o que é pergunta retórica - Si não num tinha mijado na cama! O menino confia na mãe, deita, fecha os olhos porque não quer ficar de olhos abertos depois que a mãe sair. Ela se vai, deita ao lado do seu homem, que mais solta porra pela boca que pelo cacete. Nem sabe quanto tempo faz que se deitou e sente o moleque se enfiando novamente entre ela e o homem que ronca. O homem acorda com o converse sussurrado entre a mulher e o filho caçula. Percebe que o menino voltou e solta outro 'porra' já levantando e arrastando o moleque pelo braço. O menino esperneia, grita que tem monstro no quarto. O pai nem ouve, dá uns tapas nas pernas do moleque e joga o cobertor sobre ele enquanto esbraveja mais umas porras-do-cacete-moleque-dos-infernos-que-não-deixa-ninguem-dormir... Sai espumando mais umas porras pelo canto da boca e antes que passe pelo umbral um ser das sombras, miúdo, um orangotango das trevas salta sobre ele, enfia a mão em suas costas e quatro dedos longos pegam e esmagam o coração. O homem cai. De joelhos. Leva as mãos ao peito e tenta se voltar para olhar quem o atingiu. Vê apenas o menino com os olhos arregalados, na cama, com o cobertor levantado até o nariz. O galo finalmente dá o alarme, inútil. Amanheceu faz tempo no poleiro dos homens. |
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