Abre a primeira porta, onde é sempre noite. Roupas por todos os lados. Blusas, calças, calcinhas, sutiãs, saias. Meias-calças enroladas. Tudo do avesso. Na televisão, no sofá, na poltrona da pequena sala. Cozinha minúscula, uma camiseta amassada sobre o microondas. Das roupas vem um cheiro bom, mais forte que de sabonete. Perfume francês, diria, se soubesse que a França existe. De vez em quando, um traço de suor. No quarto, também pequeno, a cama sempre desfeita. Marcas nos dos travesseiros. Lençol e cobertor enrolados, entrelaçados. Às vezes, um preservativo, usado. Sempre, tocos suspeitos nos cinzeiros, líquidos suspeitos no fundo dos copos. Louça por lavar. Embalagens de comida pronta no lixo. Um lixo de lugar.

Na segunda porta, o dia entra pela janela entreaberta. Roupas entulham o cesto de vime no banheiro. Úmidas. Soltam um cheiro que chamaria de amônia, se conhecesse a palavra e a substância. Rente à parede, enfileirados, pares e pares de tênis, gastos, sujos, meias devidamente enroladas - e também úmidas. No armário da cozinha, frascos enormes e coloridos com nomes que nem ela - recém alfabetizada - consegue ler. Copos com resíduos espessos. Custava deixar de molho? A cama só usada de um lado - do outro, o travesseiro impecável e lençol sem rugas. Geladeira vazia. Um lugar vazio.

Terceira porta, o que chamaria de crepúsculo, se soubesse. Semana sim, semana não, um terno vestindo a cadeira. Máquinas espalhadas pela mesa, o bilhete - NÃO MEXA POR FAVOR, esse conseguiu decifrar. A cama, sempre intacta, mesmo nas semanas sim. O sofá marcado pelo corpo que ali varou a madrugada. Embalagem de um sanduíche pronto e uma lata de refrigerante. Armário do banheiro cheio de remédios, mesmo nas semanas não. Embalagens de remédios vazias na pia. Pia doente, lugar doente.

Se ela conhecesse as palavras, pensaria que nós somos os nossos vestígios.