É
INVERNO | |
Zeca
São Bernardo | |
Hoje, o céu está azul...suspeitas nuvens brancas avisam da tempestade.Coisas do verão alias, coisas dos verões! Outro dia, na primavera passada, passou por aqui um moço que dizia-se meu neto. Isso mesmo meu neto, filho de Américo que partiu daqui numa primavera muitos, muitos anos atrás e nunca voltou. Dele nem notícias, nem sombra daquele menino que nadava ali, naquele ribeirão. Partiu em busca de seus sonhos, o disse, não sei se realizou algum deles. Eram tantos. Davam para nossa família inteira e ainda sobrava! Já meu suposto neto, envergava paletó de linho, chapéu de palhinha e ostentava no dedo anel de doutor. Doutor numa tal de antropologia. Nome difícil, coisas de ciência da cidade. Cavou aqui e ali, colheu como ele mesmo disse as tais amostras mandou para a capital e duas semanas depois se foi com cara de boi. Conformado com a impossibilidade de se plantar uma destas frutas de nome difícil e que param só na mesa dos grã-finos. De muito minha velha se foi, teimoso que sou persisto no sonho de reunir a família mais uma vez antes de me juntar a ela. Lá no céu, como que não estaria no céu? Bem ao lado de Nosso Senhor ou de São José Operário que tanto faz chover neste sertão. O tal do meu neto nem se despediu desse velho, não foi essa a educação que dei á seu pai e aos outros doze filhos que o bom Deus me mandou. Até parece que os outros cinco que nasceram mortos me pediriam á benção como fiz com meu pai e o pai dele até o dia em que se deitaram na cova rasa e vi a terra cobrir-lhes. Coisas dessa mocidade acho, não sei.E o que posso saber? Pouco muito pouco, não sei o que faz um doutor antropólogo, mas me disseram que não meche nem com terra nem com gado e sim com gente. Sei que no outono o vento seco e frio levanta a poeira desta capoeira e faz balançar a placa com o nome pintado Estrela do Céu na antiga porteira que ergui com meu pai num inverno de muita, muita chuva. Ás vezes, à noite, o barulho daquela chuva caindo embala meu sono. Dizem que é loucura, que não pode ser verdade, que é impossível o barulho de uma chuva de quase cinqüenta anos atrás estalar no meu telhado hoje.Á vida passa e tantas estações idas deixaram-me meio surdo, meio cego, um tanto cansado, morto de saudades e desanimado com as respostas que encontrei. Se valeu a pena? Ah...cada momento. Cada momento meu amigo! Todas as vezes que recebi em meus braços aquelas crianças e vi seus olhos abertos pela primeira vez. Até a partida de cada uma delas para a cidade, já feitos homens ou mulheres, ou para as tais riquezas de uma serra sem roupa ou pelada, coisa assim. Cada bebedeira quer seja de felicidade ou acompanhada da canja no velório de algum amigo ou parente. Cada pôr-do-sol, cada peixe fisgado nos anos de fartura de águas. Cada sorriso, cada lágrima, cada cheiro, cada barulho. Cada...vai chover hoje, estamos no inverno. | |
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