Tema 179 - QUATRO ESTAÇÕES
BIOGRAFIA
AS ESTAÇÕES
Tieme Mise

Luis percorreu, com os olhos já cansados de tanto esperar, o pavilhão sombrio daquela estação de trem. Aconchegou mais para junto do corpo o casaco de lã de carneiro, sentindo o contato macio de suas luvas de couro. O nariz vermelho era o único exposto naquela tarde de inverno. Fungava um pouco. Isso sempre acontecia quando o frio e a desesperança abrigavam seu ser. Mais uma tarde de inverno que findava sem ela.

-Voltarei em uma das estações - ela havia lhe dito-

A conhecera nove meses atrás e suas palavras ainda dançavam em seu ouvido como música. Tinha um jeito doce de se achegar, como o de uma gatinha que procura, ronronando, a perna de seu dono. Seus olhares se encontraram na estação de transbordo e nove meses haviam passado sem que sentisse. Um dia ela acordou com náuseas e lhe disse que precisava ir, mas que voltaria, em uma das estações. Saiu sem dizer para onde estava indo.

No outono, a estação do metrô o havia recebido e deixado em seu casaco uma leve camada colorida arrastada pelo vento já meio frio, das folhas que haviam caído das árvores já quase desnudas na busca insana da possibilidade de encontrá-la.

O tempo se arrastava. Os primeiros raios de sol já mostravam um pouco de seu calor e a temperatura ia, aos poucos, fazendo o vermelho do termômetro, pregado na parede ao lado do computador, subir um pouco. O branco mais puro foi substituído pelo cinza sujo da neve que derretia.

Os casacos tinham sido abandonados dando lugar a uma roupa que ia ficando cada vez mais leve e o suor do meio dia coroava vez por outra o cenho franzido de Lucas. Sua rotina era diária. Às tardes, após o trabalho na livraria, ia para a estação em busca daquele sorriso que deixara em sua alma um eco envolvente e inimitável.

Reparava no rosto cansado e meio entediado das pessoas que iam e vinham das quatro estações de sua cidade. Uma de trem, uma locomotiva leve que transportava passageiros, orgulhosamente pintada de vermelho e negro, sem poupar o piuííííííi meio estridente quando se anunciava em seu andar bamboleante. E as três do Metrô, mais discreto, sem buzinas ou apitos. Duas subterrâneas e uma aérea, quase na saída da cidade.

A cidade já deixava ver em seus jardins pequeninos botões guardando a maciez das pétalas de rosa. Um verde vivo se debulhava pelos campos e borboletas amarelas timidamente voavam sem se importarem com o rumo que tomavam.

Lucas estava cansado e a esperança esmorecia. Quase um ano havia se passado. Os amigos o fitavam ele via em seus olhos mudos a piedade. Prometeu a si mesmo que aquela seria a última estação de espera. Já tinha até um banco cativo nos subterrâneos de metrô, perto da banca de revista e o dono da banca o saudava por:

-Boa tarde, meu rapaz da espera.

Estava no último capítulo de toda a coleção que tivera enfim tempo de ler quando o apito do trem se anunciou. Um pressentimento o pos em estado de alerta. Fechou o livro e saindo do metrô caminhou a passos largos para a estação do trem. Raciocinava enquanto caminhava sentindo insano, insensato e incoerente o que estava a fazer, mas seus passos ganharam rapidez e chegou meio arfante quase no mesmo instante em que o trem parava na estação. Havia brilho em seu olhar. Uma cabeleira negra bailou em seus olhos e viu, como se estivesse sonhando, Cecília a lhe sorri pela janela do trem. Correu para a porta. Ela foi se aproximando, trazendo em seus braços uma pequenina coisa loura, rosada e gorducha que lhe sorria mostrando a gengiva desdentada.

- Esta é Primavera e tem três meses. Não queria que você ficasse comigo por eu estar grávida. Então, parti para ter nossa filha e agora volto com ela para você.

Lucas chorava sem mesmo saber que estava chorando. A menininha era loura como ele e com o mesmo nariz. Abraçou Cecília, querendo eternizar aquele momento. Tomou a criança em seus braços, sem nem pestanejar. Era incrível a sua semelhança com ele. Parecia o bebê da foto, que mantinha na estante do quarto, nos braços de sua mãe.

Segurou a mão de Cecília e caminhou pelas ruas como um guerreiro que alcança a vitória, após um ano de extenuante batalha, saudando a todos e a tudo com um sorriso.

A cidade estava coberta de flores.

Era primavera!

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor