O
AMOR DA MINHA VIDA | |
Rubens
Alves | |
Mudar nunca é fácil, ainda mais quando a mudança não é uma opção. Em minha vida, por diversas vezes tive que aceitar mudanças, sendo obrigado a adaptar-me ao novo, o que é dificílimo quando o velho já é costume. Mudei de amigos quando estes se revelavam outras pessoas, mudei de casa quando as coisas apertaram, mudei de atitude quando ser o que queria não adiantava mais, mudei de escola, esta, na minha opinião é a mais difícil, pois com ela vem-se o desconhecido, um novo universo surge dando um susto impactante, você olha ao seu redor e nada conhece ou sabe sobre aquele lugar, as pessoas te olham como se fosse estranho, quando estão apenas demonstrando o que se passa dentro de si, já que você realmente é um estranho naquele momento. Havia me mudado para um bairro novo, estava a um ano de me formar no colegial, e era o meu primeiro dia de aula. Minha casa ficava a dois minutos do colégio, o portão abria as 7 fechando as 7:10, eu preferi esperar as 7:08, assim com certeza haveria uma aglomeração de pessoas e eu passaria despercebido entre a multidão. Saí de casa tentando caminhar de forma neutra e compassada, hoje vejo que aquele andar era estranho e desleixado, um pato manco talvez andasse com mais postura e classe que eu. Ao chegar a rua da escola uma surpresa, o portão estava fechado e eu estava envolto de pessoas que eu sentia me olhar. Esse é um dos meus maiores defeitos, me acho o centro das atenções, creio que tudo gira ao meu redor, quando na verdade sou apenas uma peça descartável disto que chamamos de mundo. Comecei a suar de angustia, senti olhares fulminantes em mim, minha roupa? Estava com o queixo sujo de pasta de dente? Meu cabelo estava grande demais? Meu óculos estava tordo? Ou estão me olhando pela gordura? Deveria ter feito aquele regimaço nas férias, assim não me olhariam daquela forma. O portão finalmente abriu, e eu tentei, como camaleão, camuflar-me entre as outras pessoas, por mais que fosse difícil, sempre me achei uma pessoa de destaque, aquela que com poucas atitudes se torna conhecida, e no fundo eu era assim, mas não confiava no meu taco, nunca confiei muito em mim. Estava tão nervoso que não reparei o cadarço de meu tênis desamarrado, apenas senti um solavanco e fui ao chão, derrubando mais algumas pessoas, naquele instante sim todos passaram a me olhar e rir, riam da minha cara, como o ser humano é cruel, como rir de uma dificuldade alheia? De um momento de tamanho constrangimento. Me ergui, tentei me desculpar com as pessoas que derrubei mas elas nem me deram bola, como eu, estavam interessadas em apenas sair dali correndo, fugir daquele alvoroço. Eu não ia correr, quando corro suo, suar mais do que já estava suando era sinonimo de mal cheiro debaixo dos braços e já me bastava a vergonha que tive com o cadarço desamarrado. Subi uma escadaria e me deparei com um corredor repleto de pessoas, era como se todos estivessem me esperando para me ver passar, minha sala era a 12, olhei a indicação nas portas das salas do começo do corredor 7, 8. pronto, alem de tudo a sala em que eu iria estudar era no fim de um extenso corredor repleto de pessoa que com certeza me encaravam. Atravessei numa boa, apenas suava como um porco, umedecia constantemente meus lábios com a língua, abria e fechava a mão em movimentos contínuos, enfim, parecia um restartado, mas mesmo assim cheguei a sala que estava cheia, um rapaz acena para mim e me aponta para uma mesa atrás da sua, eu retribuo com um sorriso e sigo para a mesa aperto sua mão em um gesto de agradecimento, ele me olha estupefato, como se perguntasse a si mesmo se eu batia bem das idéias, olhei do meu lado e lá estava um outro rapaz, mas que vergonha, ele não me chamara e sim o rapaz que me seguia, pedi desculpa e me afastei, em todo o lugar haviam apenas dois acentos livres, um a frente e outro atrás de uma mocinha gravida, se ninguém queria sentar ao seu redor por que eu sentaria, não sei, mas ela com seu jeito só e triste fez com que eu me sentasse atrás de si. Ela era branca de cabelos ondulados que por pouco não eram cachos que lhe recobriam os ombros, possuía olhos meio puxados que lhe davam um ar nipônico, sua bochechas eram salientes tanto quando seus lábios, de uma volumosidade de dar inveja a qualquer Angelina Julie. Atrás de mim sentava alguem não identificável, já que estava com a cabeça por entre os braços e roncava um pouco. Decidi então fazer amizade com a gravida, mas na hora em que colocaria sobre ela minha mão para chamar-lhe a atenção adentra na sala um homem de uns 40 e poucos anos, com um cavanhaque esbranquecido, parecia um furacão, que juro me assustou a primeira vista, só a primeira vista, seu nome era C. Bizarro, mas era para chama-lo como todos o conhecia, Bizarro. Imagine o que deve-se passar na mente de uma mãe para dar a um filho este nome no minimo extravagante, ou seria melhor dizer Bizarro? Era professor de biologia, matéria da qual eu não aprendo quase nada sempre, não sei se por causa dos antigos professores que eram meio louquinhos ou se era pelo fato de minha mente ter criado uma barreira involuntária para o assunto. Sempre fui mais ligado em português, na hora da redação, ah como era bom criar, inventar, contar e recontar uma historia, um causo, um conto. Depois que descobri a literatura então passei a amar loucamente a matéria, li e reli grandes clássicos e algumas obras contemporâneas também, com dezoito anos havia lido mais que muita gente em sua vida toda. Júlio Verne, Machado de Assis, Erico Veríssimo, Clarice Lispector, Adoux Huxley, Cecilia Meireles, Marcelo Rubens Paiva ( um dos meus preferidos), enfim, tinha uma gama de autores que já faziam parte de minha vida. A aula foi divertida mas acabou, tive uma boa impressão sobre esse tal de Bizarro, acho que ele sera uma daqueles pessoas inesquecíveis que passam por nossas vidas. Quando menos esperei a gravida se vira em minha direção, como era linda, sempre achei gravidez uma coisa bela, as gravidas então nem se fala, vejo uma delicadeza e sensibilidade em mulheres gravidas que me cativa, talvez seja o enorme desejo de ser pai, na verdade possuo o dom da paternidade ou pelo menos acho isso. - Você é novo aqui, não é? - ela me perguntou com a intenção de puxar conversa. - É, e você? Também é nova aqui? - Não, é que após a gravidez as pessoas se afastaram um pouco de mim. - Preconceito? - Não, falsidade, acho que apesar de gravida continuo sendo a mesma de sempre. Meu nome é Camila, e o seu? - Bruno. - entra uma professorinha, de altura média, aparelho nos dentes rosa, um pouco corcunda e cabelos um pouco abaixo dos ombros, seu boa noite revelou uma voz fina e branda daquela que viria a ser minha futura esposa, mãe de meus filhos, mas não o amor da minha vida. - Essa aí é a Priscila, dá aula de historia, é um amor de pessoa. - Percebe-se. A aula era mais uma educada apresentação de quem era quem, o que na minha opinião era desnecessário, pois com o tempo certos alunos se destacam e deixam para trás diversos outros que ate o nome é esquecido, ou sequer decorado dependendo da pessoa, mas com o tempo percebi que com Priscila era diferente, vi em seus olhos centelhas de esperança e afeto ao descobrir o nome de cada estranho daquela classe, ela sim parecia se importar se eu era Bruno ou o João, no momento em que disse meu nome contei a historinha sem graça de como e porque ele surgiu: "...meu finado pai, que Deus o tenha, muito emocionado com o nascimento de seu primeiro filho, bebeu uma tão grande que confundiu Josefino, nome de meu finado vozinho com Bruno, para meu bem e desgosto de vovô, baita preju professora, as lembrancinhas, toalhas, e ate plaquinha de boas vindas estavam escrito Josefino, então entregamos as lembrancinhas assim mesmo..." Minha intenção era de fazer a classe cair na risada, para que todos soubessem que eu era extrovertido, alegre, cheio de piadinhas, apesar de tímido e desconfiado, mas isso não deu certo, ninguém além da professora riu, e olha que ela riu por pura educação, nem mesmo a gravida havia sorrido, que decepção, estava prestes a enfrentar um dos anos mais difíceis de minha vida, ou pelo menos com pessoas muito mau humoradas, ou seria eu um mal piadista? A aula acabou, a que se seguiu era de um professor esguio, com a barba por fazer e óculos, era mais alto que eu um pouco, parecia ser gente boa, sorridente sentou-se e ali ficou, tentando dialogar com os demais alunos, seu nome era José Roberto a quem hoje chamo de JR, sua calma aparente acabou quando o dialogo civilizado tornou-se uma feira, logo ele se ergueu e começou uma serie de sermoes, dizendo que ninguém naquela sala estava apto a estar ali, disse que eramos resultado de um sistema governamental ineficaz que só se preocupa com a quantidade e nada de qualidade, meus colegas estavam alguns com a cabeça baixa, outros com os olhos repletos de remorso e desilusão alguns ainda olhavam como se aquilo não fossem para eles mas eu não, eu o encarava, sempre que podia já que quando percebia meu olhar fulminante desviava o seu, quando pareceu ter exposto tudo o que tinha para dizer me levantei e o olhei de frente, ele estava sem ar e eu com uma certeza, a de que eu não era como os demais. - Acabou? - perguntei educadamente, por mais tímido e inseguro que eu seja, não me conformo em ver alguem que se vale de de um diploma para humilhar os outros, ainda mais se estes outros forem pessoas incapazes de se defenderem a altura - Senhor, acha que terá saúde o resto da vida, acha que poderá manter? - O que isso tem a ver com o que eu estou dizendo? - Acha que no futuro não vai precisar de ninguém, de um policial, um advogado, um engenheiro, sim pois querendo ou não são os engenheiros que desenvolvem estradas, pontes, hospitais, escolas... - Não entendo onde quer chegar - dizia aflito o professor que suava... - Ora, acho que sabe sim, querendo ou não nesta sala estão futuros médicos, policiais, engenheiros, professores - o professor dá um sorriso de deboche. - Tem certeza? aqui só vejo adolescentes relapsos que não estão nem aí para o amanhã, dizem viver o hoje, mas não creio que engravidar aos dezessete ou fumar um baseado aos dezesseis seja viver, aqui nesta sala não enxergo o futuro, vejo apenas pessoas que sub existem, cedo ou tarde serão, ou melhor hoje mesmo são apenas o resto, a sombra da verdadeira sociedade. - São palavras como as suas que me fazem desacreditar do ser humano, por que se tornou professor, você não possuía um sonho, o sonho de fazer a diferença? - Os tempos mudaram. - O tempo não mudou, o ser humano é o mesmo de sempre, o que mudou foi você, você se cansou de ser o que é, perdeu a esperança nesses adolescentes, mas eu te digo, o que falta aqui nesta sala e em diversas outras salas do país é a vontade e o exemplo, o senhor em alguns minutos perdeu as rédeas da situação que você mesmo criou, você deve dar o exemplo, você deve incentivar, eles são o futuro, e o senhor está com o lápis e o papel nas mãos para escreve-lo, depende também de você que esses alunos, inclusive eu, tenhamos um futuro, sejamos um futuro, depende de você... - o sinal do intervalo toca, o professor respira fundo e nada diz, pega suas coisas e sai, pude ver em seus olhos uma pontinha de remorso e uma gotinha de esperança em uma possível lagrima que quase rolou seu rosto só quando ele saiu que me dei conta do que havia feito, só então me dei conta de uma salva de palmas vinha de toda a classe, a partir daquele momento eu seria o herói daqueles jovens que no fundo no fundo eu sabia que não teriam futuro mesmo, mas eu precisava falar aquelas coisa para o JR, pois deste aquele dia ele mudou sua postura em sala de aula, suas aulas dali em diante foram cada vez mais instrutivas, no fim do ano, ele pôde dizer a si mesmo que sua parte foi feito, o que deu para ensinar foi ensinado, muito bem ensinado. O intervalo para mim sempre foi um tormento, não era muito de ficar em turminhas, sempre gostei de ficar isolado na companhia de um bom livro, sempre evitei o contato mais amigável com as pessoas, sempre tive medo de cometer gafes ou magoar alguém com meu humor áspero. Mas aquele anos seria diferente, pois a gravida estava ao meu lado, Camila era seu nome, u a achava linda, tinha muita inveja dela, sempre sonhei em ser pai, e ela seria logo logo mãe, me perguntava se o pai da criança a havia assumido, ou seria ele mais um desses moleques que engravidam as meninas e depois lhes dão um chute na bunda, ela me olhou naquele intervalo com seus olhos penetrantes e vazios. - Deve estar se perguntando quem é o pai da minha filha não? - desviei meu olhar do dela, como podia ter lido minha mente, ou seria esta uma pergunta frequente das pessoas, não sei o que era, mas não queria que ela pensasse que eu me perguntava isso. - Não, mas já que tocou no assunto, quem é o felizardo pai desta criança? - O nome dele é Adailtom, ele é porteiro, tem 31 anos... - 31... - não consegui evitar minha surpresa. - 31, e eu moro com ele a um ano mais ou menos, um ano e meio, na verdade moramos eu, meu esposo, minha sogra e sogro, mas somos felizes. - Que bom. E o que ele achou da idéia de ser pai? - Um máximo, ele sempre quis isto, sempre, não foi planejado mas foi muito bem recebido. - Você disse minha filha, ela já tem nome. - Sim, seu nome é Yasmim. - Belo nome, belo mesmo, parabéns. A partir daquele dia passei a admirar este tal Adailtom, um homem de certa idade assumir uma ninfeta trabalhando como porteiro e ganhando um salario horrível, era de se admirar esse rapaz, mas no fundo criei também uma certa inveja dele, seria pai, tinha uma esposa linda e com certeza Yasmim seria muito bela também. O recreio acabou, diversos dos meus colegas de classe vieram se apresentar, alguns chegaram a me contar suas pretensões para o futuro, foi ai que me perguntei, teria Camila alguma pretensão, o que ela gostaria de ser, qual seus sonhos e objetivos? Aos poucos estava cada vez mais envolvido por aquela garota, em apenas algumas horas de convívio, o que nela me atraia além da beleza e da gravidez era uma força que sentia emanar de sua voz, de seus olhares vazios,ela emitia uma frequência que me fazia bem, me colocava em sintonia com o mundo, em sintonia com ela, era como se me faltasse algo e esse algo fosse ela, seria isso mesmo, teria eu encontrado uma parte de mim que estava perdida, seria ela minha alma gêmea? Tivemos mais duas aulas cujo eu não prestei muita atenção, minha atenção estava voltada apenas em Camila, cada gesto, movimento, tudo absolutamente tudo o que fazia era para mim motivo de analise e reflexão, as aulas acabaram, a acompanhei até a saída, nos demos tchau, um boa noite seco e sem sentimento, fui para casa com seu rosto na cabeça, sua imagem se implantou em minha mente de forma a impregnar todos os meus sonhos, e em todos eles eramos um só, amantes, enamorados, casal, os sonhos sempre acabavam com um beijo, um beijo tão real que era como se ela também estivesse sonhando o mesmo que eu, era como se nossas almas se encontrassem enquanto dormíamos, acordava sempre sem fôlego e suado, aqueles foram os melhores sonhos das minha ultimas noites, que se tornariam logo logo o meu tormento diário, a partir daquele dia descobri de uma forma doce o que era a insônia, pois quase todas as noites acordava com sua imagem em minha mente, quase todas as noites precisava extravasar o que sentia, e a melhor forma, pelo menos para mim, de colocar para fora o que se sente é escrevendo, então, a partir de então comecei a escrever quase que diariamente, varando noites a fio, com a única intensão de extravasar meus sonhos, meu amor por aquela gravida, que querendo ou não sentia lá no fundo ser o amor da minha vida... | |
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