Tema 179 - QUATRO ESTAÇÕES
BIOGRAFIA
EXTRATERRENOS - TERRENOS EXTRAS
Doca Ramos Mello

Foi um aviãozinho cheio de jornalistas estrangeiros sobrevoar por acaso este canto esquecido de Umbuzeiro do Norte, no litoral da Bahia, e eles avistarem de lá de cima um montão de círculos enormes na beira da praia, no sertão, na terra batida, no arremedo de asfalto... E depois disso, encheu aqui a cidade de repórteres, a espalharem notícias de provável visita de extraterrestres!

Antevendo a muvuca dos jornalistas, entra em cena o prefeito Antenor da Rocha Veiga - Seu Tenor, para os poucos amigos, os muitos puxa-sacos e as multidões de inimigos. Nós, os 'pelo contrário', ficamos só olhando, em festa de macaco, inhambu-chitã não pia...

Antenor da Rocha Veiga mandou aplicar mais um 'g' ao sobrenome, ficando Veigga, depois de eleito, porque seu numerólogo lhe garantiu que o 'g' a mais o protegeria do mau-olhado. Mau-olhado é com ele - é 'mal olhado' pela população, pela polícia, pelo Ministério Público, pela região toda, mas ninguém é besta de sair por aí alardeando isso porque Seu Tenor tem métodos convincentes bastante peculiares (e muitas vezes fatais) para levar as pessoas a mudar de idéia.

Pausa para o currículo do prefeito.

Seu Tenor nunca foi pacato e ordeiro, dado mesmo a azucrinar todo mundo aqui em Umbu, como a gente chama esta cidade de pobres recursos e abandonada por Deus. Antenorzão, seu pai, já era homem de audácias, criou o primeiro puteiro oficial da terra, ainda que sob o nome fantasia de Palácio Hotel Turístico. Aqui, onde nunca houve turistas, tirando meia dúzia de argentinos que cá vinham nos anos 30, fixaram residência e hoje, pois, temos por aqui muitos muchachos como Carmencitas, Dieguitos e Alejandros, essas coisas. Mas tudo já devidamente abaianado, mestiçado, de atabaque em punho, batendo berimbau, a dar pernadas na capoeira - a baianidade pega assim, ó, em todo mundo.

Seu Tenor, portanto, nasceu no puteiro e assimilou o caráter da casa. Vai vendo...

Na campanha, para arrefecer os ânimos e dar demonstração de civilidade, a turma do deixa-disso fez um tal baile democrático, com idéia de apagar o fogo do ódio entre os candidatos - não sei onde está essa democracia...- e Seu Tenor não tirou Neusa Baracota para uma contradança?! Os alicerces do Clube Recreativo e Popular tremeram, já que Dona Neusa é ninguém menos que a senhora Justiniano Baracota, o candidato da oposição. Saia justa no baile. E Seu Tenor só tirando onda, "mas não estamos num momento social e democrático, não é para mostrar educação e bons modos políticos?, ora essa, então", dizia chupando os dentes com deboche. E não só valsou com a dama, atracando-a ferozmente pela cintura e dando-lhe uns puxões meio suspeitos, como, ao se despedir dela, aplicou-lhe o dorso da mão direita fortemente nas partes pudendas traseiras, isto é, deu-lhe um sonoro tapão na bunda, seguido de gargalhada safadíssima. Foi um forfait.

O baile acabou cedo, mas Seu Tenor nem se deu por achado, e ainda segredou confidências antigas de alcova a seus correligionários, todo mundo lhe conhece o caráter 'cavalheiro', assim como ninguém na cidade ignora também seu trelelê com Dona Neusa em anos outros de safada juventude. Rumoroso caso, história cabeluda mesmo, tesão da gota e desbravado.

Justiniano Baracota calou-se, temendo a língua solta de Seu Tenor. Dona Neusa foi enviada a passar uma temporada num spa em Foz de Iguaçu. Hoje, quando alguém toca naquele baile, ela começa a suar e gagueja "va-va-vamos mumumu-muuudar de assuassu-assussuuunto...". Tormenta do passado é barra. Eleito, Seu Tenor está na prefeitura, ele e o pessoal dele roubando com a cara mais deslavada de que se tem notícia por aqui. Foi então que apareceram os jornalistas e viram os círculos dos extraterrestres... Seu Tenor achou que só ia faturar mais, mas o problema com jornalistas é que eles são atrevidos. "Quero democratizar a informação", vem dizendo o prefeito, sem que nem mesmo os jegues ignorem o que isso significa.

Mexe aqui, mexe lá, fotografa, põe no jornal e Umbu virou notícia. Mas, mexer muito é danado e os jornalistas ficaram sabendo, primeiro, que o filho de Seu Tenor, o Tenorzinho Neto, é o secretário da educação do município, mesmo tendo apenas o primeiro ano feito na roça e nas coxas. "E daí, se o presidente que é o presidente também não tem o primário, ora, vão amolar o boi!", vociferou o prefeito. Daí para os jornalistas descobrirem o descontentamento da população com a roubalheira e a roubalheira grossa foi um pulo. Seu Tenor e a tropa estão assaltando a cidade de formas variadas, então o povo aproveitou a deixa e o anonimato prometido pelos repórteres de fora (aqui, o semanário que circula à guisa de jornal é O Umbu, de Valdebrando Brota, compadre e correligionário do prefeito) e abriu a boca. Até mesmo um funcionário da limpeza urbana falou em falcatruas e roubos: "Vão ver quanto custa o lixo da cidade, vão ver o contrato", ironizou o gari.

Veio à tona o tal negócio da China de o prefeito lotear Umbu para uns estrangeiros, que querem fazer aqui uma coisa que eles têm na terra deles lá, prédios com um monte de proprietários que dividem os apartamentos entre si, de modo que é preciso marcar data para as férias de cada um - muito esquisito. Seu Tenor desmente: "São casas populares, preciso cuidar dos pobres", alardeia. Pela venda, dizem que Seu Tenor está ganhando rios de dólares e mansões em Miami e vai-se embora daqui de vez. Não sei se vai, mas já mandou os filhos mais novos. Fora as vinganças, que Seu Tenor não deixa em pé um inimigo, um opositor, sempre com aquela fala mansa e didática, "olhe aqui, meu filho, me deixe trabalhar, fui eleito para fazer o meu trabalho" e blá, blá, blá... É o 'filho' virar as costas e ele ordenar mais umas rotatórias na cidade, coincidentemente, bem em cima da casa do cidadão, da casa do irmão do cidadão, do terreno da mãe do cabra...

E eis desvendada a origem dos círculos que os jornalistas viram lá de cima. Para cada inimigo, opositor ou mesmo reles comentário contra sua administração, Seu Tenor vem respondendo, prioritariamente, com a desapropriação da casa, terreno ou estabelecimento comercial do ousado, dos amigos dele e dos parentes, com a conseqüente implantação de rotatórias!!! Que não vão dar em lugar nenhum a não ser na trágica história de Umbuzeiro do Norte, que falece a olhos vistos debaixo da gorda barriga de Seu Tenor, enquanto ele cuida da reeleição... Pela folha corrida, tem tudo para emplacar mais quatro primaveras de roubo em um segundo mandato - aqui também a gente não sabe de nada.

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