BUG | ||
Marcos
Correia | ||
Elisário
estava naquele torpor pós-almoço, jogando paciência na tela
do computador, quando surgiu o problema. Notou a perda de conexão com a
internet. Tentou reacessar a rede, fracassou. Insistiu. Nada. "Bem na hora
de fechar a sequência de cartas", pensou aborrecido. Só
então se deu conta. Aquilo não deveria acontecer. Menos de um minuto
se passou antes do interfone tocar. "Cacete, o bat-fone", assustou-se.
Esse é o nome que ele deu à linha exclusiva com o diretor do departamento. _Elisário!
O que aconteceu? Perdemos a net rápida! Você não estava monitorando
o sistema? _Estava,
mentiu. _Claro, estava tentando resolver, já ia te ligar. Elisário
é o encarregado de sistema dessa grande concessionária de telecomunicações.
A net rápida que ora se apresenta rebelde, é o principal produto
da firma. Serve a empresas, computadores domésticos, entidades públicas.
_Resolve
logo então, meu filho. Não quero clientes enchendo meu saco em plena
sexta-feira. "Já estava saindo para o fim de semana com a Gessi",
pensou sem confidenciar ao subalterno. Gessi é a secretária do diretor,
funcionária de escritório e, ocasionalmente, de alcova. Elisário
começou a suar frio. Será que essa merda é geral, ou foi
só aqui em volta da sede?" Verificou os monitores. "Danou-se",
lastimou. Logo a sala de sistemas integrados virou um inferno. Gente correndo, engenheiros se esbarrando, gritos. Lá fora o inferno era ainda mais quente. Bancos inutilizados, serviços públicos parados, adolescentes onanistas sem conseguir acesso às páginas de sacanagem. O povo começou a reclamar. O 0800 ficou congestionado, as atendentes mais sensíveis (sim, existem operadoras de telemarketing sensíveis, por incrível que pareça) começaram a chorar diante dos palavrões dos usuários. O
diretor entrou correndo, o rosto vermelho, a voz alterada. _E
aí, porra, o que é isso? Como
é que Elisário poderia saber? Os manuais de procedimento para casos
como este juntavam poeira na gaveta há anos. Tudo que saísse da
rotina era um Deus nos acuda para sua burocrática incompetência. _Calma,
seu Juvenal, calma que a gente resolve. Várias
horas depois o otimismo já tinha escorrido pelo ralo. O presidente da empresa
apareceu no jornal das oito para dizer, constrangido e patético, que não
sabia qual era o problema. Pior, não tinha idéia de quando a situação
estaria resolvida. _Cabeças
vão rolar, Elisário. ameaçou o diretor Juvenal. Foi
quando entrou Gessi, graciosa no vestidinho sumário, já maquiada
e perfumada. _Tchau,
Juvenal, boa sorte. Juvenal
puxou a moça pelo braço para um canto. _Como
assim, tchau? E o nosso fim de semana na praia? A patroa está em Curitiba
visitando a mãe, está liberado para a gente, minha flor. _Ai,
desculpa, Juvenal, mas eu que não vou ficar aqui presa, sexta-feira à
noite, esperando você resolver essa porcaria. Além do mais, o Reginaldo
me chamou para uma cerveja. _O
Reginaldo da contabilidade? Que é isso, esse cara é casado, pai
de dois. _Ué,
e você por acaso é solteiro? Sem
mais argumentos, Juvenal se rendeu à ingratidão da secretária
amante. Voltou para perto de Elisário, a tempo de vê-lo puxando os
cabelos e esmurrando a mesa. _O
que foi agora? Perguntou. Elisário
nem respondeu. Só apontou para a tela do computador. Uma caveira dando
risada, com os dizeres "Bug do Milênio Atrasado" enchia o video. _Vai
ser um fim de semana daqueles, profetizou Elisário. _Elisário. _Que
foi, seu Juvenal? _Pede
para alguém buscar sua escova de dentes em casa, que é por aqui
mesmo que nós vamos ficar. Lá fora, a lua alta no céu prenunciava o início de uma longa madrugada. (baseado na pane do Speed, da Telefonica) | ||