IMPREVISTOS
Claudio Alecrim Costa
 
 

Tateei no escuro, como um ladrão que tem consciência do seu crime. Um risinho safado orientou-me na empreitada imoral, cujos riscos conhecia de cor.

Repetia o percurso noturno como um morcego em vôo híbrido. Neuza era o peixe que esperava fisgar mais uma vez, tal qual pescador que conta suas proezas para incrédulos curiosos.

Seu marido, guarda noturno por triste destino, desfilava os chifres, orgulhoso e ignóbil. Acreditava que a mulher era a matéria prima da honestidade.

Quando agarrei o corpo da safada, estranhei o número do manequim.

- Neuza?

- Que Neuza?

O abajur iluminou a cara cheia de creme de minha mulher...

- Mara?

- Alceu? - repetiu com ar irônico.

- O que você faz aqui? - perguntei indignado.

- Adivinha? - continuou me provocando.

Não sabia se saia de um sonho ou entrava no pior dos pesadelos. Levantei da cama e, sem me dar conta do lugar em que estava, parti para o interrogatório:

- O que faz você na casa desse maldito guarda noturno?

- Esperava por um bombeiro! - disparou uma sonora gargalhada.

- O corno sou eu!

Parecendo possuída pelo diabo, colocou os dedos como chifres na cabeça e, com a cara lambida de creme, danou-se a fazer caretas.

- Vadia!

- Vem Alceu!

- Eu te mato!

- Me mata!

Tomado por súbita vertigem que colocava o enevoado mobiliário a girar, agarrei o pescoço da adúltera com o firme propósito de dar fim à história.

Empurrou-me com os braços fortes e, quase sem voz, indagou:

- Quer me matar de verdade?

A luz da consciência veio junto com a do quarto, que minha mulher acendeu agarrada aos travesseiros.

- Foi um sonho?

- Sonhava que me matava?

Que imprevisto seria aquele? Um castigo de Deus? Estava no lugar errado, mas a hora batia...

- Desculpe... Eu...

- Chega!

- Eu posso explicar...

- Não me diga que isso nunca aconteceu com você...

- Então já sabia de tudo?

- Não é a primeira vez que não dá conta do recado... Me provoca e acaba no meio do caminho...Guarda noturno! Esperava por um bombeiro!

Engano por engano, estava salvo. Sem matar minha mulher equivocadamente ou ser descoberto como o verdadeiro adúltero, voltei para a cama, enquanto Mara se ajeitava entre as cobertas a repetir: guarda noturno!