A
DANÇA | ||
Sharon
Ratis | ||
Eu não sei quanto tempo tenho. Não sei de nada, se você quer saber. Só desta necessidade de narrar minha dança para você. Quero dizer que gostei de você com uma intensidade e um repente que me deixaram tonta. Que lamento não ter dito isso antes e ter aproveitado com você o escasso tempo ao teu lado. Se eu te acho tão parecido comigo ao ponto de não querer viver com você porque eu não suportaria viver comigo mesma, qual o problema em te falar de meus sentimentos ? Se você é tão igual a mim quanto penso, claro que você entenderia o que se passa em minha parte mais obscura. No começo, achei que fosse um Édipo - Electra - mal resolvido. A paixão pelo meu pai transferida para você. Vocês nasceram no mesmo dia, com quatro anos de diferença entre um e outro. Só vinte e quatro anos e dois dias antes de mim. Mas não foi assim. Eu gosto de você a ponto de pensar e considerar mesmo em largar quase tudo que tenho por um tempo infinito para ficar ao teu lado por momentos quase que cronometrado. É verdade, eu não largaria minha vida confortável para viver com alguém tão igual a mim. Para isso, eu teria de me encarar. Deus me livre! Será que alma gêmea é isso ? Tenho uma vontade inenarrável de dormir com a cabeça pousada em teu peito. E cheguei tão perto, não é ? Não sei se a primeira vez foi a última chance e eu devia ter aproveitado. Eu não quis te mostrar minha fragilidade. Talvez por te saber tão frágil quanto eu. E se eu descansasse minha cabeça em teu peito nu e você me apertasse ? Me diz, me diz: como é que eu voltaria à realidade ? Penso em você todos os dias. Te quero todos os dias. Às vezes para uma trepada maravilhosa às vezes só para um cafuné. Se você soubesse a necessidade que sinto de falar tudo isso... Se você soubesse o quanto eu odeio vestir máscaras para você! Mas como é que posso ser eu sem ter a certeza de que você também é assim ? É baixar demais a guarda. Acho que, na verdade, o que eu gostaria era de ter uns vinte anos na época em que você tinha uns trinta e poucos. Ser dona do meu nariz e aproveitar, com você, tudo o que a vida nos oferecesse em nossos freqüentes últimos dias. Sei que tenho uma inteligência acima da média. Sou distraída, reconheço. Nos dias de hoje, classificam-me como portadora de TDDA. Só que isso é uma coisa da qual gosto. De certa feita, li que o TDDA é o mal dos gênios e fiquei toda frajola. É aquela incapacidade de se concentrar por muito tempo no que quer que seja. É começar as coisas e não terminar porque, no meio do caminho, abrem-se outras possibilidades muito mais interessantes do que a inicial. E a parte de pensar diferente, de onde vem ? Já quis ser veterinária por amar mais os animais do que as pessoas, mas já quis ser médica só para não sofrer quando perdesse um paciente. Quis ser neurologista pela vaidade de ser a primeira a realizar um transplante cerebral. Escolhi ser professora por causa da mesma vaidade, a vontade de passar meus valores para as pessoinhas que estão se formando. Se você visse como eu ficava pimpona quando via um aluninho copiando minha letra da lousa! Sinto falta disso, sabe ? Quase tanta falta quanto a que sinto do teu peito onde nunca pude descansar minha cabeça docemente vazia. Às vezes, me sinto possuída - é, a palavra é essa: possuída - por uma vontade quase incontrolável de pegar um ônibus e baixar aí e de te perguntar se já não é hora de deixarmos de tanta viadagem. Não temos mais todo o tempo do mundo, sabia ? E quem é que tem ? Me diga: quem é que tem todo o tempo do mundo se começamos a morrer logo depois de nascer ? Sinto um ciúme de você que beira a patologia. Quando leio que você saiu com esta ou com aquela sinto vontade de cortar meus sonhos a gilete e as gargantas delas também. Assisto a documentários de assassinos como uma forma de expiar minha vontade. Ah, se eu pudesse... Sento em frente a este computador e fico ansiando sua presença. Quando te vejo, chego a sentir um quentinho no coração. Mesmo que você não fale comigo. Se você está em frente ao computador é porque não está com outra. Como se eu tivesse esse direito. O direito de exigir que você fosse só meu. Como se pessoas como nós dois pudessem pertencer a alguém, pertencer a uma só pessoa, a um lugar, ao que quer que seja. Quero ser altruísta e te libertar, mas sou a pessoa mais egoísta que conheço. Escolho que você nunca saiba de nada disso. Escolho sair dançando ao vento e à chuva, debaixo dos faróis dos ônibus que descem a Rua da Consolação. | ||