DANÇA AO VENTO
Raimundo Antonio de Souza Lopes
 
 

Da janela do quarto que me deixava ver o mar, sorrindo eu contemplava a natureza em seu esplendor maior. Brumas por sobre as águas claras de um pélago em calmaria, fazia fundo para sua imagem que dançava ao sabor de pequenas ondas. De lá de onde eu estava, expectador especial que era, aplaudi sua performance de bailarina sem palco de teatro. Não precisavas. Tinhas o essencial para se mostrar: o líquido teor da vida - começo de tudo - atapetava o tablado invisível e tornava sólido o piso para seus lindos pezinhos de anjo. Meus adágios se misturavam as fábulas que meus olhos iam criando, pondo em cada pedaço de espaço, a minha volta, luxuosos adornos para saudar sua passagem de vinda; encontro que meus sonhos me fizera ter para saldar a vinda da dançarina, que dançava ao vento a dança do ventre, linda em passos de gazela. Abri os braços para recebê-la, não sem antes perfumar o ambiente que me isolava do mundo: queria deixá-lo propício para o aconchego da artista que vinha chegando. Meus olhos, sem pestanejarem, acompanhavam o flutuar de sua magia. Um véu branco lhe servia de modelo e uma pluma de pavão adornava seus seios; corpo purificado de pecado: a mácula assistia, de longe, invejosa, sem forças para atacar quem se revestia de pureza. De repente, a aura da noite invadiu o meu quarto. Fechei a janela e preparei-me para o ato. Deitada, semi adormecida, vestes ao lado, lá estava quem dançava ao vento sobre o mar. Sorriu candidamente, convidando-me.