PEQUENAS HISTÓRIAS 161
Osvaldo Luiz Pastorelli
 
 

Para minha mãe, Ruly Ohelmeyer Pastorelli

Uma das coisas que notava de diferente da capital com o interior, era talvez o vento, era o que ele pensava sobre a mãe. A dança do vento, como dizia. Ela não via perigo no raio, na chuva, no vento, no frio ou no calor. Fazia com que, as crianças, aceitassem a voz da natureza como um fato único e belo, como algo que se vê pela única vez, como sendo inesquecível, para ser lembrando sempre.

- Ah! Mas todo o ano chove, dizíamos.

- Todo ano faz frio.

- Venta quase todos os dias.

Minha mãe respondia calmamente:

- Sim, todos os anos faz frio, todo ano chove, todos os dias venta, mas se repararem não são sempre iguais. Escutem com os olhos os volteios das coisas. Sinta na pele o arrepio do frio ou do calor. Quando vocês tiverem essa capacidade verão a diferença, notarão que nem tudo é igual. Observe a dança das folhas, a dança ao vento que elas fazem. Vejam que uma vai para um lado, a outra a segue, uma terceira cai, tudo isso. Notem a coreografia do vento levantando os grãos da areia da estrada, ou o arrepio das árvores se inclinando sob o seu comando.

Nascida, criada em fazenda, partilhando do contato da natureza até a fase adulta quando precisou se mudar para a cidade após o casamento e, logo depois, sendo levada para a capital, nunca demonstrou desgosto ou que estivesse sofrendo com a mudança.

Anos depois, quando ele estava com seus vinte e poucos anos, esperando que um temporal passasse para sair, olhando o vento carregando papéis, seixos de restos humanos no asfalto, levantando uma poeira cinza, lembrou da dança ao vento. Virando-se para a mãe que ao lado dele também observava a tempestade, perguntou:

- Então, mãe, depois de todos esses anos a senhora ainda acredita na dança ao vento das folhas?

A mãe com seus olhos verdes, pequena ao lado dele, respondeu melancolicamente firme:

- Nunca devemos desacreditar daquilo que amamos.

- Mas a senhora ainda percebe ou nota diferença na dança ao vento, como dizia para nós quando criança.

- O que você acha, meu filho?

- Não sei, mãe. Penso que sim.

- Se você pensa assim, assim é. - respondeu.

Dessa maneira, nunca ficou sabendo se a mãe ainda trazia dentro de si aquela poesia de antigamente que encantava a ele e aos primos. Mas será que foi a mãe que mudou ou ele que não percebeu a mudança que se processara nele, transformando-o no que era hoje.

E, parado na calçada esperando o semáforo abrir, com as mãos nos bolsos por causa do frio, reparou no vento ao levantar um pouco de poeira onde a calçada estava sendo reformada. Ficou observando os volteios da terra suja, e certificou-se que fora ele que se transformara, mas ainda trazia dentro de si um pouco do calor poético que mãe transmitiu a ele.

Uma onda nostálgica invadiu seu coração e, sorridente atravessou a rua satisfeito com ele e, por que não, com a vida também.