BELAS
E ESGUIAS | ||
Luiza
Aparecida Mendo | ||
Foi numa tarde de agosto, quando os ventos sopram mais forte, que Elisa viu, pela primeira vez, as tais palmeiras. Cansada de olhar para o teto ou folhear inocentes revistas ela atrevera-se a olhar pela janela. Era uma rua qualquer à beira-mar, como qualquer praia, de qualquer canto do mundo. Tudo parecia tão igual e sem propósito. As folhas longas, de uma e de outra, quase se tocavam. Era aquele "quase" que tornava a dança interessante. Se ocorresse o abraço, elas, as palmeiras, não passariam de coisas comuns. Folhas comuns ao vento. Não, elas não se assemelhavam às coisas corriqueiras, eram belas, esguias e leves. Inclinavam-se no desejo e retrocediam na impossibilidade. Elisa torcia por elas, com os olhos marejados. Debruçou-se e soltou os cabelos. Nunca, em toda sua vida, havia sentido aquela leveza. O ar tinha cheiro de peixe fresco. Cheiro de fome. Pela primeira vez deixou de tocar a sineta e desceu sozinha a escadaria. Estava descalça. Estava decidida. Atravessou o salão sem se importar com as visitas importantes de seu marido e, sem dar a mínima atenção ao protocolo, cruzou a porta de saída. Os homens treinados da segurança seguiram a embaixatriz, mantendo uma distância respeitosa. Foi deixando pelo caminho as peças de roupa até não ter mais o que deixar. Queria sentir o que sentiam as palmeiras. Abriu os braços para o sol poente e deixou-se envolver pelo vento morno. Dançou, como dançavam as folhas, mas era um bailado solitário como a própria vida. Não havia o que buscar, nem a necessidade de retroceder. Os anos haviam passado em preto e branco. Estava cansada dos gestos ensaiados e das fotografias bem feitas, porque além deles nada mais havia. Quando chegou ao portão o chefe da segurança a interpelou, mas não lhe impediu a passagem, apenas tirou o paletó e a cobriu. Seguiram juntos para a praia. O sol desaparecia no horizonte líquido quando ela mergulhou, verdadeiramente, pela primeira vez. Ele, gentilmente, a aguardava e o vento frio que tocava seu corpo nu era o mesmo que desalinhava os cabelos dele. Naquela noite uma tempestade se formou e os ventos fortes obrigaram as folhas das palmeiras a se tocarem. Não havia retrocesso. A dança era lasciva, desesperada e bela. O protocolo havia ficado preso no salão principal, junto ao passado, em preto e branco. | ||