VERENA
Flavio Luengo Gimenez
 
 

Foi quando eu a ví no parapeito que tive a pronta idéia de abrir a janela e estender minha toalha molhada nos ares da manhã de Novembro. Eu fizera uma daquelas viagens que a gente só faz de vez em quando e ao acordar naquela confusa cidade italiana, eu deparara com a cena da bela ragazza pendurada com os cabelos ao vento.

Pensei que ela fosse ao suicídio, que nada, tudo era um blefe enorme, uma ópera bufa e eu a olhara com olhos maravilhados enquanto ouvia "O Sole Mio" tocada ao fundo, com lençóis estendidos e toalhas nos varais,as cores berrantes da manhã brilhando nas estreitas ruas de Brescia. Eu e minha pomba de lindos olhos pendurada no parapeito.

Lá embaixo uma verdadeira parafernália de muitos gritos, senhoras vestidas de preto que retornavam de suas missas a persignar-se, enquanto mãos acenavam ao céu e nossa pequena Virgem de olhos enxutos olhava sorridente a calçada que poderia sorver sua essência, "O Sole Mio", grata surpresa pela manhã de meu primeiro dia na Itália!

Um grande amor começa assim e outro se acaba na calçada, eu pensava, enquanto enxugava o canto da boca após saborear um belíssimo café da manhã e ler as páginas de um jornal com palavras que ainda insistiam em me enganar em seus significados. Murmúrios no corredor do hotel iam me inteirando dos fatos:

--É Verena de novo.

--É vero. Mas o que quer agora esta menina?

--Da outra vez queria seu primo de volta, pobrezinha.

--Todas queriam seu primo de volta.

--Mas, e agora?

--Ma Che!

--Quem o sabe? Essas mulheres...

--É bom saber disso, porque dessa vez ela está esquisita mesmo.

--Vai ver pensa que é um pássaro. Vai ver que pensa que pode dançar ao vento!

--Desce daí, Verena!

Verena, o anjo pendurado, devia ter seus dezesseis, idade que deveríamos guardar para sempre,na memória de todos é a idade que traz as retumbâncias, as maravilhas dos fogos do desejo, as decisões eternas, as grandes paixões e os medos obscuros... Ah que viagem, eu pensava, paixões como essa não se acabam assim estateladas, ela me dizia com seus olhos amendoados: Era para mim que ela se expunha, era ao estrangeiro que ela preferia se mostrar, não ao seu primo cafajeste nem à metade da cidade que a via com olhos contritos e bocas cerradas em profundo silêncio ou em gritos de desespero que se ouviam a léguas...

--Verena! Desce daí ou te parto ao meio!

Um ooooh se levanta, ela se ergue confusa, quase escorrega e cai, mas se apóia a tempo de ser capturada por mãos atentas ao mínimo de seus movimentos, talvez o primo cafajeste, talvez seu enraivecido pai ou a providencial mão do policial mais próximo.

A cena que vejo então é a de um sumiço, raptaram meu anjo matinal, mas antes Verena me lançou um olhar fulminante, aquele que me faz voltar no tempo, que relembra minhas paixões já mornas, um olhar que desmascara toda minha doce ilusão de que minha viagem só principia e mais nada, nunca tem fim, Verena e sua juventude exalando perfume, os cabelos soltos...

Abro a janela e prefiro a calçada.