O PÃO DA ALMA
Tatiana Alves
 
 

"A gente não quer só comida; a gente quer comida, diversão e arte." Os versos, contidos na música de uma conhecida banda de rock, refletem a ânsia, por vezes inconsciente, por um alimento outro, capaz de aplacar a fome da alma. Sabe-se que a arte, em países carentes, é considerada supérflua. Aqueles que defendem tal posição baseiam-se em necessidades prementes, argumentando que satisfazer tais necessidades é prioritário e, em caso de indigência, a poesia seria um requinte dispensável. Esquecem-se, contudo, de que não se trata de estabelecer um juízo valorativo, julgando o que é mais importante, mas de reconhecer a relevância do olhar poético sobre o mundo.

A miséria choca, agride, grita, silenciosa, esgueirando-se soturna pela realidade. A escassez de recursos necessários à sobrevivência embrutece o indivíduo que, por defesa, resigna-se diante de uma situação que lhe foge ao controle. A praticidade daqueles que se preocupam somente com a saciedade de suas necessidades primárias é encontrada até em animais, estando mais ligada ao instinto de sobrevivência do que à razão. A velha dicotomia Arte/ Necessidade já foi explorada por vários de nossos escritores, tendo sua maior expressão no clássico O Feijão e o Sonho, de Orígenes Lessa, que tematiza as agruras de um escritor face a uma sociedade capitalista. O feijão e o sonho metaforizam o aspecto prático da vida e a fantasia, respectivamente, e traduzem o velho conflito entre quimera e realidade, como se uma se opusesse à outra, acabando por passar a mensagem subliminar de que a poesia seria mero deleite de sonhadores, desprovida de objetividade crítica. A beleza e o idealismo presentes na poesia não significam, necessariamente, alienação. Ao contrário, por meio daquela são feitas as maiores críticas, possibilitando uma reflexão sobre o mundo, bem como sobre a inserção do homem na sociedade.

A Poesia, em seu sentido mais amplo, é aquilo que desperta o sentimento do Belo, que inspira. Atiça, portanto, a sensibilidade do indivíduo e pode, através de seus códigos próprios, conscientizar o ser humano. A emoção e a fruição presentes na arte podem e devem ser utilizadas a serviço da coletividade, e iniciar o indivíduo no mágico caminho da poesia significa dar-lhe meios de alçar vôo, transcendendo a realidade - nem sempre privilegiada - que o circunda. A pior forma de penúria é a intelectual, pois nega ao homem a capacidade de perceber - e de reverter - a própria situação. Poesia não cura indigência, mas humaniza, o que, em seres animalizados pela necessidade, pode ser mais fértil do que caridade.