PRECISA-SE...
Raimundo Antonio de Souza Lopes
 
 

Outro dia eu ia passando por uma rua do centro, distraído, sem me deter em nenhuma de suas lojas. Caminhava por caminhar, mais preocupado que estava com o meu destino, com o meu chegar. Ao longo do trajeto, por entre transeuntes ávidos de consumo, avistei, ainda que, com o olhar displicente, uma jovem que trazia pendurada em seu peito, uma placa. Lá, na placa, estava escrito: precisa-se. Não dei atenção. Outras placas iguais, eu já tinha visto. Todas elas, sem exceção, eram voltadas para o fichamento de pessoas para trabalhar no comércio. Aproximei-me daquela jovem, ali, parada, entre a calçada e a rua, pois o caminho me levava para próximo de sua silueta. Quando a distância me permitiu ler nas entrelinhas, notei uma singularidade no cartaz: trazia além do tradicional chamamento para o campo profissional, palavras em letras menores, enumeradas de um a dez, que diziam: precisa-se de paz nos corações das pessoas; de amor que não fique apenas no interior de um coração; de voluntários que saiam disseminando (novamente) a palavra do Senhor; de jovens que respeitem seus pais; de professores que ensinem o respeito, a ética e os valores morais; de novos homens públicos desprovidos da ambição do poder pessoal e apenas se doarem em prol de suas comunidades; da efetiva participação do Estado nas coisas dos seus munícipes; da fé como sinônimo de milagre e redenção aos preceitos bíblicos e não como mandamento para o fanatismo religioso; de mais igualdade entre os povos. Intrigado, me aproximei um pouco mais, contando os dez precisa-se do cartaz. Notei que só tinham nove deles. Olhei para a jovem, em seguida olhei para o cartaz. Ela sorriu. Compreendeu a minha interrogação. Ficamos calados. Então, percebendo que eu não ia dizer nada, ela falou: eu sei, falta um mandamento. Talvez nem passe pela sua cabeça que o "precisa-se" que falta seja justamente aquele que quase nunca nós nos lembramos de realizar. Com o olhar ela me mostrou o que estava por trás de mim: ao virar-me, deparei-me com a casa de Deus, quase vazia naquela hora. Compreendi qual o mandamento que faltava no mesmo instante. Dei meia volta, entrei na morada de Deus, me ajoelhei e orei: "Senhor, perdoe-me por me ausentar tanto tempo de Sua casa..."