REBIMBELA
DA PARAFUSETA | ||
Luís
Valise | ||
Quando ele apontava no fim da reta, dava pra ver de longe: - Lá vem o Vandão! E o Vandão vinha com sua carreta vermelha, reluzente, tinindo de nova, enfeitada de luzes e bandeirolas, o pára-choque abrindo alas: "O REI CHEGOU!" A mulherada adorava, porque quando o Vandão chegava, chegava mesmo! Como os velhos marinheiros, que tinham uma mulher em cada porto, Vandão era cheio das namoradas. Ao sair de casa, beijava e abraçava a mulher e os filhos. Mal virava a esquina, se transformava: abria os botões da camisa, punha um palito no canto da boca, ajeitava os óculos escuros, e virava um lobo à caça de ovelhas inocentes ou descuidadas. E em cada cidadezinha, em cada frete, uma ovelha desgarrada estava à espera do telefonema: - Oi, Boneca, aqui é o Vandão. Se prepara, que eu tô chegando. Cruzava esse brasilzão de cabo a rabo quase sem descanso, as prestações da carreta não esperavam, o asfalto passando ligeiro sob as rodas que tentavam desviar dos buracos no caminho. Vandão reclamava: - Eita, ferro! Sai governo, entra governo, e nada muda, as estradas continuam um lixo. Vida de caminhoneiro não é sopa. É muito trabalho, é muito perigo, e muita solidão. O dia inteiro na boléia, os olhos atentos na língua negra que vai engolindo distância, a saudade da família num retrato na carteira. Se não fossem as namoradas, o Vandão não agüentaria essa vida. Como suportar um mês, mês e meio, longe de casa? A patroa também reclamava, mas quando a profissão é essa não tem jeito, o remédio é encarar a vida como ela é. Às vezes Vandão chegava em casa e se surpreendia: o caçula já usava as roupas do irmão mais velho. A menina já estava de namorico. Vandão recomendava à patroa: - Você fica de olho na Nicinha, não deixe ela chegar tarde, procure saber quem é o cara... Essas preocupações eram comuns entre os caminhoneiros. Quando se reuniam nas mesas dos restaurantes de beira-estrada, o assunto era o mesmo: os filhos crescendo longe dos olhos do pai. Todos faziam as mesmas recomendações às esposas: - Cuidado com isso... Cuidado com aquilo... Cuidado...
- Alô? - Tô chegando, Boneca. - E eu estou te esperando, benzinho. Teresa vivia em Goiás, e era uma das preferidas do Vandão. Morena-jambo, separada do marido, sem filhos, vivia pedindo pra ir junto: - Me leva, Vandão? - Algum dia, Teresa, algum dia... Levar, como? Na Bahia tinha a Selma, em Maceió tinha a Linda, e depois tinha que descansar: a próxima só em Fortaleza. Daysilene. Uma beleza, a Daysilene. Na volta vinha dando repique. A cama atrás dos bancos era confortável, e ele gostava quando era noite de chuva, os pingos batendo na capota plóc-plóc-plóc-plóc. De manhã levava a namorada de volta pra casa, e antes de cair na estrada fazia busca cuidadosa pra ver se não tinha ficado uma calcinha, embalagem de camisinha ou rolha de garrafa de vinho. A patroa era ciumenta que só vendo, vivia revistando a cabine. Vandão se irritava: - Deixa disso, mulher, a única que entra neste caminhão é você. Quer viajar comigo? Vandão convidava porque sabia que a mulher não podia ir, tinha que cuidar dos filhos e da casa. E assim seguia a vida: longe de casa sentia falta da patroa, em casa sentia falta das outras. Afinal, nada nesta vida é perfeito, não é mesmo?
- Alô? - Tô chegando. - E eu estou te esperando, benzinho. | ||