O SORRISO E AS FATIAS DE CARNE
Cláudio Tino
 
 

A gravata apertada incomoda e o ar-condicionado está quebrado. A fila hoje parece engarrafamento de véspera de feriado: longa e cheia de gente estressada. Pensando bem, está como sempre esteve. O primeiro cliente é um senhor carrancudo, com ares de advogado, querendo pagar contas de outro banco com cheques de outra pessoa. Ele vai embora depois de cinco minutos e não parece muito feliz. Logo depois, um office-boy cheio de espinhas nas bochechas, abre sua maleta e despeja papéis às dezenas no meu guichê. E ainda sorri, com seus dentes metálicos. Tenho vontade de acender um cigarro. A gravata incomoda mais um pouco.

O restaurante está cheio. Parece que o banco inteiro veio almoçar no mesmo horário. O bolo de carne no meu prato parece um gato morto e a mesa engordurada e pegajosa não ajuda muito a abrir o apetite. Engulo um pouco de refrigerante gelado para ter certeza que estou vivo ainda. O cheiro de bacon na chapa me embrulha o estômago. Quando ergo os olhos, vejo uma luz morna do Sol surgir no horizonte, cortando o cinza. Penso nos clientes na fila, acotovelando-se como uma manada de bovinos no pátio do frigorífico. Maldita hora que fui resolver parar de fumar.

Olívia passa pela minha mesa como se nunca tivéssemos sido noivos. Mesmo um ano depois do término, sinto sua falta. Mas ela tem suas razões para me desprezar. Aliás, soube que seu novo namorado é um engenheiro careca e bem-sucedido. Sorte Dela. Casar-se comigo significaria morar de aluguel, ter um carro financiado e cartão de crédito no vermelho. Tento pensar que foi melhor assim para ambos.

Súbito, ao mastigar o último fatacaz do bolo de carne, um impulso me põe de pé, como um choque vindo da cadeira. Um gosto amargo vem à boca e a respiração torna-se profunda e lenta. Olívia e a fila não passam de visões no deserto. Retiro a gravata, deixando-a cair sobre o prato, esqueço minha pasta no outro assento, não pago a conta, saio pela porta de vidro embaçado. A rua nunca me pareceu tão colorida. As pessoas ao meu redor não importam mais. Uma colegial de calça justa sorri para mim e eu penso em comprar um cachorro, levá-lo ao parque, fazer carinho e passear por aí. Alguém grita meu nome, longe, muito longe. O banco fica para trás.

Meus olhos só conseguem mirar rostos brilhantes e fachadas coloridas. E daí que meus amigos tenham esquecido meu número e que meu irmão só apareça em casa para pedir dinheiro emprestado? Penso em mim, em meu sorriso e tudo fica fácil. Apenas caminho devagar.

Dobrar a esquina nunca foi tão obrigatório para meu coração. Em cinco anos trabalhando no mesmo lugar, não havia passado por esta rua, cheia de lojas de roupas e pequenos escritórios. Os carros parecem menos barulhentos e os transeuntes estão mais tranqüilos, nada de filas, rostos carrancudos ou decepções. Dois prédios azuis chamam minha atenção. Parecem com um vestido de Olívia. Resolvo entrar em uma pet shop para comprar uma coleira quando um cartaz ao lado, em um corredor estreito chama minha atenção: "precisa-se de homem para casamento e emprego no Japão."

Ao caminhar pelo corredor e tocar a campainha em uma porta de alumínio meio enferrujada, um sorriso acompanha meu rosto. E a frase ecoa na minha mente: precisa-se. O que é a vida se não uma procura incessante? Uma busca desesperada por um sentido, uma meta, uma esperança? Precisa-se.

Hoje, estou à procura de algo que também me procura.