SONHO OU REALIDADE
Valéria Vanda de Xavier Nunes
 
 

Hoje Léia tem cinqüenta e dois anos, no entanto, sempre que ouve a palavra caminhão ou caminhoneiro, em sua mente surgem imagens de sua infância que ela julgava já esquecidas, e estas imagens vão surgindo como flashs de um filme antigo.

Ela sempre foi uma menina alegre, brincalhona, cheia de vida. Era a quinta entre as sete mulheres da família. Desde pequena sempre gostou de brincar ao ar livre na companhia dos irmãos e seus amigos. Era por assim dizer uma menina sapeca que gostava de jogar bola com os meninos, descer ladeiras em carrinhos de rolimã, brincar de mocinha e bandido. Não era muito chegada a brincadeiras de casinha e bonecas. Até seus dez a onze anos foi assim.

Perto de sua casa morava uma prima de nome Madalena, moça robusta, alta, cabelos muito pretos, rosto rechonchudo, muito "cabeluda" nos braços e nas pernas, com um jeitão autoritário que muitas vezes chegava a amedrontar outras mocinhas mais jovens quando brincavam com ela, pois, sempre queria ser a líder da turma, queria sempre ser obedecida e era muito mandona. Madalena casou-se com um caminhoneiro também alto, robusto, braços fortes, fala grossa. Com a profissão que tinha, muitas vezes precisava viajar e por alguns dias ausentava-se de casa. Madalena gostava muito de sua prima Léia, diz até que foi quem lhe ensinou as primeiras letras, pois quando menorzinha vivia muito na casa dessa prima e esta, dedicava algumas horas que lhe sobravam dos dias compridos que tinha pela frente a lhe ensinar o alfabeto e com isso a menina talvez tenha aprendido realmente com sua prima as primeiras letras. Nos dias em que o seu marido cujo nome era Antêmio, precisava se ausentar de casa, Lena- como chamavam Madalena- "convidava" sua prima para dormir em sua casa para ela não ficar sozinha. A mãe da menina sempre permitia, pois eram muito amigas.

Léia tinha muitos irmãos e irmãs e entre eles havia uma irmã que sempre a acompanhava nas brincadeiras e peraltices. Num desses dias em que Léia estava em casa de Lena para lhe fazer companhia pois o marido estava a viajar, chamou sua irmã para brincar na casa de Lena e então resolveram fazer uma "brincadeira" para irritá-la e deixá-la nervosa só para ver como reagiria, pois sabiam o quanto ela ficava zangada e se tornava uma "fera" quando era perturbada.. E elas queriam mesmo "agitar" um pouco naquele dia. Lena encontrava-se nos fundos da casa que era por sinal enorme. Cheia de quartos e salas como são todas as casas do interior. As meninas então, colocaram as cabeças pela janela e gritaram bem alto que estavam vendo o caminhão de Antêmio chegando na esquina da rua. Lena ficou toda alvoroçada pois já sonhava com o retorno do marido, estava já morta de saudade. Respondeu lá dos fundos da casa onde estava a preparar o jantar, que se fosse mentira delas iria lhes "tirar o coro". As meninas continuavam dizendo que era verdade e que ela viesse logo ver. Quando ela olhou pela janela e viu que era mentira das duas peraltas e saiu em disparada para pegá-las. As meninas a essas alturas já corriam desesperadas de um quarto para outro, de uma sala para outra morrendo de medo de serem agarradas. Para se livrarem de suas garras tiveram que criar coragem pular a janela e correrem para sua casa. Aquilo deixou Lena duplamente frustrada, primeiro por não ter agarrado as duas e segundo por não ter o marido de volta como ela queria.

Naquele resto de tarde Léia não apareceu mais na casa de Lena com medo de sua reação ao vê-la, e Lena por sua vez, para não dormir sozinha teve que engolir a raiva e o orgulho e ir pedir que a menina voltasse para dormir com ela ainda àquela noite. Léia mesmo com muito medo ainda, resolveu que iria com ela. Elas sempre dormiam juntas na cama do casal, Lena contava estórias de bruxas antes de adormecerem, mas, naquela noite, o clima entre elas estava um pouco pesado devido à brincadeira de mal-gosto que Léia havia aprontado para Lena. Nesta noite não houve estórias nem risadas, estavam ambas tensas. Enfim, o sono chegou e as duas adormeceram.

Depois de um certo tempo, Léia sentiu que mãos grandes, fortes e peludas a seguravam e a levavam para outro lugar. Ainda com medo, não se atreveu a abrir os olhos para ver o que acontecia, achava que estava sonhando, não tinha certeza se aquilo era real, se era um sonho ou um pesadelo, porém, ao mesmo tempo em que sentia medo não deixava de se sentir também protegida por aqueles braços fortes.

De manhã, logo que acordou, Léia percebeu que não estava no quarto do casal e sim no quarto de hóspede.