NOITE
ESTRELADA DE CAMINHONEIRO | ||
Tânia
Barros | ||
No meio de uma estrada esburacada estavam eles: Nandão, Pedro e Suzuki. Decidiram descansar na melhor hospedaria com restaurante daquelas paragens. Era a única. Sentiam-se tranqüilos: carga entregue, a noite clara apesar do friozinho iniciando àquela hora da lua, e já tinham vistoriado o caminhão para a volta: diesel, freios, pneus. "Tudo nos trinks", como dizia Nandão. -
Vamos, minha gente, vamos que o estômago tá colando! Aí, Pedro,
não esquece do alarme! Entraram
e se alegraram em ver tanta gente, a música alegre, o cheiro de churrasco. -
Ah, Pedroca, meu gostoso, nós vamos jantar aqui embaixo? Leva pro quarto,
vai, meu rei! Pediu
Suzuki depois de conseguiram um quarto no lugar abarrotado de caminhoneiros e
outros ETs que aportavam por lá com suas Mercedes e Discos Voadores, identificados
ou não. -
Ihhh, lá vem a moça com seus dengos... eu disse, Pedrão,
cê não ouviu, agora carrega essa carga, oh! Brincou
Nandão com as exigências que Suzuki fazia quando acompanhava Pedro
nas estradas, seu noivo. -
Xá comigo, me'rmão, que este pedacinho de mau caminho é dos
bons e merece um trato, afinal, até ajudar na descarga ela ajudou, ora
bolas! Essa mulher é uma Deusa! Minha sansei... sansei, não, yonsei,
que minha gata é da nova geração! Diz
enroscando-se em Suzuki, encostando-a numa parede ao lado da entrada. O companheiro
já se encaminhava para uma mesa no fim do salão. O ritmo forte de
forró dominava o ambiente e Nandão se alegrou. A música despertava-lhe
a fome não só de carne vermelha, mas também de mulher que
ali não faltava. Era a noite perfeita para relaxar e desfrutar, pensou.Era
tudo que um homem, depois de cumprir seus deveres, merecia. Olhou a loirinha magra
que se insinuava no balcão. Baton escarlate, e um leve toque de tristeza
no olhar. Mas estava ali para agradar, disso ele sabia. Fez o convite para "rangar"
com ele. Convite aceito. Beberam duas garrafas de cerveja e falaram dela enquanto
terminavam a picanha com batatas. -
Ah, eu moro aqui mermo, seu moço. Ah, mas conheço a França,
não sabe? -
É mesmo, minha lindinha? Mais que coisa interessante essa! -
Pois é, aposto que o moço conhece essas estrada tudo, mas não
conhece a França não... -
É verdade, não conheço a França, mas você bem
que podia me mostrar... me diz, qual é sua graça? -
Eu sou Renée, e o moço, como chama? -
Olhe, pra você eu me chamo Napoleão Bonaparte... Renée
dá uma gargalhada e pede uma água mineral. Pedro se achega para
surpresa de Nandão e diz moribundo. -
Ae, me'rmão, fala nada não, mas a coisa pegou lá em cima... -
Ihhh... lá vem você em hora errada e falando coisa estranha... O
que pegou lá em cima, homem, fala logo que eu tenho pressa.... tenho que
conquistar umas terras francesas, sabe... -
O que cê tá falando... terras francesas... depois sou eu que falo
coisa estranha! -
Ah... vai, desembucha o que te fez deixar lá em cima o seu tesouro oriental,
vai! -
Olha, me desculpa ai, viu moça, mas é que tem hora que a gente tem
que desabafar... Nandão... eu ... eeeu não consegui... não
consegui! Minha yonsei... minha yonseizinha não vai me querer mais... -
Quê?! Tu tá falando daquilo?! -
É, cara, aquiiiilo! Nandão
segura o riso que deseja arrebentar as mandíbulas. -
Ah, mas meu amigo, isso acontece com todo homem... epa, quase todo homem! -
A Suzuki está P da vida, ela acha que é porque hoje eu demorei no
banheiro lá na hora da entrega, Nando... ela cismou com a recepcionista
que atendeu a gente. Vê se pode, meu amigo, eu nesta situação
e ainda sendo acusado, injustamente, de traição. Ninguém
merece! Renée
ouve tudo com atenção, tomando sua água. -
E ela tá lá em cima, é? -
Não, cara, ela gritou comigo e saiu. Disse que ia dormir no caminhão. -
Hahahahaha... então ela vai te trair com o caminhão, é? Olha
que mulher sozinha no caminhão atrai muito os homens, é um ....
um feiticho! -
Fetiche, Napoleão, fetiche! - Renée corrige. -
E você, ô mocinha, além de francês vai me dar aula de
português, vai? -
Continuamos no francês, seu Napoleon, pra falar a verdade, Fètiche,
é francês, que veio do português feitiço, que veio do
latin facticius, artificial, fictício. Diz
a loirinha com superioridade e virando-se para Pedro. -
Vamos dançar pra alegrar a noite, Pedrinho! Dispara
ela tomando a mão do caminhoneiro choroso. Nando de boca aberta. -
Peraí, você ia dançar comigo, mocinha! -
Não, eu danço conforme a música, mon cherry. Ele precisa
levantar o astral, não vê? -
Sim... vai levantar mesmo se eu deixar! Pedro
é levado pela moça para a pista, e vai gritando para que Nando ouça
" é só uma música, Nando, peraí, é só
uma ! " Nandão
sai para respirar e fumar um cigarro onde houvesse espaço para mais fumaça.
Claro que lembrou de dar uma espiada no caminhão estacionado no fundo do
lugar reservado como garagem. Espiar essa história é de bom senso,
pensou com seus botões. Parecendo um gato do mato caçando algo no
escuro, ele se aproxima do seu caminhão. Pensou ter ouvido algum gemido.
Pensando assim, se aproximou um pouco mais e... encontra Suzuki ronronando como
uma gata. Tenta sair dali sem fazer barulho algum " e se a japonesinha acorda
e resolve brigar mais com Pedro que agora, nesse instante, tá dançando
com minha francesinha? Epa ! - Interrompe o pensamento e corre para dentro do
restaurante jogando o cigarro fora e, estabanado, quase levando um tombo num lamaçal. Quando
entra no recinto esfumaçado, se apruma, arruma a camisa e procura avidamente
o casal de dançarinos inusitado daquela noite. Não. Eles não
estão mais lá. O Garçom aproxima-se e entrega-lhe um bilhete.
Lê na mesma hora imaginando que a moça aprontava uma surpresa agradável:
" Mon Cherry Napoleon, creio que você perdeu sua batalha. Que não
seja a última. Ass.: Renée (não sou yonsei, mas sou francesa
pra valer!) Au revoair Mon Ami!" No
dia seguinte, após o café, os três novamente pegam a estrada.
Quando Nandão vê Suzuki toda derretida para Pedro, imagina como a
noite do amigo terminara bem. -Aí,
Pedroca, sua boa estrela dessa noite tu deve a mim, heim! Vou cobrar essa! Agora faltava um dia para chegarem em casa. | ||