ESTRANGEIRO | ||
Ricardo
Lahud | ||
Menos que um abraço, um aperto que me impede de abrir asas ou de caminhar para o desfiladeiro. Sensação de dedos em torno do pescoço. Quando olho para frente, tanto chão. Nesses caminhos desertos não há sons ou cheiros da infância. Morro de fome, embora tenha comida não há sabores na minha boca, tudo é tão chato como Proust e suas madalenas sem pecado. O firmamento se mostra lotado de falsos brilhantes, não são as minhas estrelas. Nem esse frágil sol, sem sal, sem graça, conheço, mesmo que se divida em sete numa simples gota de chuva, oferece apenas meios-tons. O calor ficou em casa. Maria ficou em casa. As cartas que nunca escrevo e as promessas que nunca faço não amornam aquele fogo. Desde que eu nunca saiba, desde que ninguém me conte, sempre que parto, me falta Maria. E todas suas mal feitas cópias com as quais cruzo, falsas, frias, não-marias. Culpadas de tantas vergonhas. Estou preso por leve e delicado arame farpado com a forma de coroa. Como a do outro. Não que eu tenha escolha. Faço o que sei. Cobro pela única coisa em que sou bom o bastante para não fazer de graça: ando rápido, paro pouco, cumpro o combinado. Não é fácil. Nunca levei Maria a teatro. Ela veio uma vez. Uma só. Clima, família, amigas, novela, cabeleireiro, praia, foram tantas desculpas, tantas saudades, tantas faltas que sentia Maria que ela até me perdoou por antecipação: isso é trabalho para homem sozinho. Fico te esperando. Nos momentos soturnos em que a vida fica amarga, quando todos os pensamentos migram para as sombras da destruição, as esperanças afugentadas e o desejo de viver se esconde em cantos na penumbra; quando nem a menina prostituta nem o retrato de Maria desviam meu olhar do chão, me socorro do baú de tesouros no fundo falso da gaveta de baixo. Tudo melhora depois de consumir jatos de luz com a música em alto volume. De quando em quando, olho para trás e descubro esse aperto que não me larga, esse mar que não se abre, essa memória irresgatável, essa cruz que não alivia, e faço a loucura de voltar para casa sem carga. Para me esconder em Maria. | ||