CHICO
DA BI-TREM | ||
Marcelo
Maita | ||
José Francisco. O Chico da Bi-trem. Profissão? Caminhoneiro. Carga de horário. São Paulo à Belém. Trinta anos de profissão e uma história mais doida que a outra. Já vi de tudo nessa vida. Tudo! Um dia desses, saindo de São Paulo, uma moça deu sinal com a mão, demorei um pouco para entender mas parei. Se tivesse dado com as pernas, entenderia bem antes. E que pernas! Quando abri a porta, aquele sorriso de aeromoça invadiu a boleia. Ela toda vestia menos roupa que uma madrinha de bateria. Seu perfume forte, doce, misturou-se ao meu desinfetante aroma tuti-frutti pendurado no painel, causando estranhas sensações em mim. Acho que eram náuseas. Perguntei seu nome. Ela respondeu Dalva. Não sei se era realmente seu nome, mas combinava. Perguntou meu nome e me disse que queria cair no mundo, conhecer gente nova, lugares novos... Pensei em apresentar-lhe um motel à beira da estrada, mas do jeito que se vestia ela devia ter acabado de sair de um. Durante o caminho, quanto mais olhava para ela, menos olhava para estrada, o que pode ser perigoso quando se está com a carreta mais pesada que o filme do "Frota". Ela apenas sorria. Seu sorriso brilhava mais que farol de milha vindo na contra-mão e sua voz mais saborosa que feijoada de posto. Pobre menina. Acho que havia chorado. Sua maquiagem estava mais borrada que a do Coringa quando é socado pelo Batman. Seguimos conversando sobre varias coisas. Sobre a vida, as emoções da estrada, sobre caminhões, novelas e principalmente sobre os loucos aos quais já dei carona. Em trecho deserto da estrada, com a noite escura como o cabelo da Sonia Braga, um carro aproximou-se. O medo tomou conta de nós. Ela apavorada, pulou no meu colo e abraçou-me forte. Perguntou se eu tinha uma arma. Quase respondi que tinha uma coisa engatilhada pra ela, mas o momento exigia atenção. Tentei fugir, mas uma bi-trem não é muito difícil de achar. O carro se aproximava perigosamente, ignorando o adesivo "mantenha distância". Dalva me perguntou: - E agora José? - A festa acabou, o povo sumiu, a noite esfriou- pensei eu, mas definitivamente ela não entenderia. O ensino médio não é mais o mesmo no país. O carro colou na lateral, obrigando-me a parar. O carro parou logo a frente. Um Ford Ka simpático. Acho que eram de circo, pois saíram oito homens de dentro. Cercaram a boleia, me obrigando a descer. Dalva tentou correr, mas seu salto agulha de quinze centímetros dificultou a fuga. Eram assaltantes de banco. Haviam feito um roubo horas atrás e Dalva era a informante do bando. Disseram que ela fugira com todo o dinheiro. - Não imagino onde escondeu, com tão pouca roupa. - Levaram-nos para um esconderijo em uma cidadezinha pequena, próxima dali. No esconderijo fui interrogado. Perguntas das mais diversas e estranhas. De onde eu a conhecia? Qual era o plano? Onde estava o dinheiro? E a mais importante: Como o Dunga convocou o Afonso? As três primeiras eram mais fáceis. Apanhei mais que o Juventus, quando jogava contra o Santos de Pelé. Dalva continuava quieta. Barulhos rondavam o casebre. A porta foi arrombada. A policia invadiu o local e prendeu os bandidos. Dalva se revelou uma agente da policia federal. Lucia seu verdadeiro nome. Os federais revelaram que seguiam-nos dês de São Paulo, e que Dalva, digo, Lucia, estava grampeada. Achei difícil com tão pouca roupa, mas eles sabem o que fazem. São federais. Lúcia me agradeceu com um beijo no rosto. Na barba na verdade. Virei herói. Senti orgulho de ter participado disto. De ter ajudando a prender estes terríveis bandidos. Mais tarde descobri que roubavam bancos, casas de políticos, sede de partidos e pensavam em seqüestrar deputados. Me arrependi profundamente. Criei simpatia por eles. Votei em um deles para deputado federal, sem muito retorno. Mas tudo isso me proporcionou momentos inesquecíveis. Conheci o presidente, e mais, fiquei amigo intimo dele. Toda viagem de São Paulo à Belém, na volta paro em Brasília. O presidente é um homem como eu, simples. Adora uma caipirinha, um bom futebol e não entende nada de política. José Francisco, o Chico da bi-trem. Trinta anos de profissão, herói nacional, amigo do presidente e apaixonado por Dalva ou Lúcia. Agora o que eu não entendo mesmo é como o Dunga convoca o Afonso? Talvez eu tivesse apanhado menos... | ||