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VAI MORRER TUDINHO... | ||
Ken
Scofield | ||
-A culpa foi sua, você que falou pra eu parar -E nós iríamos atropelá-lo? -Podíamos apenas ter desviado dele -Poxa Adailton, você é mesmo insensível! -Eu não, sou realista, agüentar esse cara tá um saco. Tudo porque fui concordar com você, Fernando. Deviam fazer uma imagem, já tô vendo: São Fernando, o santo daqueles perdidos no meio da estrada. -Não brinca, o cara caiu no sono, não vai perturbar mais. Vamos mudar de assunto: -Falar o que? Dos sacanas daqueles deputados que aumentam o próprio salário? Nesse momento, se ouvia um barulho e aquela voz irritante falava repetidamente: -Vai morrer tudinho, vai morrer tudinho, vai morrer tudinho, vai morrer tudinho, não adianta, vai morrer tudinho... -E repetia incessantemente, irritando aqueles dois amigos. Até que o próprio Fernando se aproximava daquele "grilo" repetitivo e dizia: -Pára com isso logo, pára! -Até que sem paciência dava uma certeira bofetada. E a paz voltava, pelo menos por algum tempo. Seguiam viagem, e depois de um bom tempo de silêncio, Fernando perguntava para Adaílton: -Amigo, nem perguntei. Como vão seus filhos? Sua patroa? Tão todos bem? Era a "deixa" para aquele intruso voltar à cena: -Vai morrer tudinho, vai morrer tudinho, vocês não acreditam, mas vai morrer tudinho, num vai sobrar ninguém, é verdade, vai morrer tudinho... -Poxa vida, eu não agüento mais, vou parar e deixar esse cara por ai, não dá mais! -Não, Adaílton, já já a gente deixa ele naquela casa de saúde, deve ter alguém que cuide dele, falta pouco. -E depois de dizer isso, Fernando fazia ambos se acalmarem. Passaram-se mais meia hora de viagem até que Adaílton propôs uma parada, era um lugar bem deserto aquele trecho de estrada, em uma espécie de desvio, um lugar que não era mais usado como via. Então todos aproveitavam para descansar, até que foram surpreendidos por aquele ritual barulhento novamente: -Vai morrer tudinho, vai morrer tudinho, e agora vai mesmo, e vai ser logo, meu Deus, é agora mesmo, vai morrer tudinho... -Os outros dois estranhavam, pois o barulho era em um tom mais desesperador que os anteriores, se entreolhavam, mas não sabiam o que fazer. Até que Adailton ouviu um barulho: -Ué, que barulho é esse? Trem? Escuta Fernando! -É, parece mesmo, mas vem de... opa, Adaílton, tira esse caminhão daqui rápido! Estamos em cima de uma linha de trem, e ele já ta vindo, rápido, rápido! E então Adaílton conseguia tirar aquele veículo a tempo. Mas teria que ouvir ainda outra vez o que aquele "passageiro" tinha a dizer: - eu salvei tudinho, eu salvei tudinho, eu salvei tudinho, eu salvei tudinho, eu salvei tudinho... -Ouvindo isso, Fernando caía na risada olhando pra cara braba de seu amigo e dizia: -É, dos males o menor, estamos vivos e, pelo menos, ele mudou a ladainha... | ||