ELE FOI UM CAMINHONEIRO
Cleonice Félix
 
 

Poucas pessoas passaram pela minha vida se orgulhando, realmente, do que era. E ele sempre se orgulhou.

Ele passou uma infância difícil, pois teve que largar os estudos para trabalhar na roça e auxiliar em casa, afinal, era o mais velho dos treze filhos que sua mãe, corajosamente colocou no mundo, atendendo aos desígnios de Deus, sem muito questionamentos.

Sofreu muito com a morte prematura do pai, apesar de sofrer também quando o mesmo era vivo, uma vez que a bebia o consumia dia-a-dia.

Assumiu um compromisso aos dezenove anos e constituiu sua própria família, trabalhando de sol a sol para dar-lhes o que comer. Foram cinco filhos que a Providência Divina lhe reservou desta união e mais um, de uma aventura.

Apesar das dificuldades, ele nunca deixou sua família sem um arroz e feijão.

Após muitos anos de trabalho nas lavouras do interior de São Paulo, decidiu seguir sua mãe e chegou em Várzea Paulista na década de oitenta. Foi a partir daí, que iniciou sua vida de caminhoneiro.

Trabalhou durante dezoito anos, enfrentando os perigos das estradas brasileiras, sem nunca esmorecer. Muitos episódios aconteceram em sua vida. Aos 40 anos sofreu seu primeiro AVC, caindo em uma rua de uma cidade, durante suas entregas. Normalmente, após algumas entregas e dias na estrada, a aparência de um caminhoneiro não é a de um empresário em sua roupa social e nessa ocasião, ao cair na rua e pedir socorro, as pessoas se desviavam achando que o mesmo estava bêbado e graças a uma senhora que decidiu ajudá-lo e encaminhá-lo a um hospital, sua vida não se encerrou naquele momento. De acordo com os médicos, mais 5 minutos de demora, não seria possível salvar sua vida.

Alguns anos depois, começou a sofrer com o estômago. Sentia dores terríveis e uma desinteria que nada cessava. Após diversas internações e exames, ele foi encaminhado a um médico muito famoso de uma cidade próxima - Vinhedo - que abriu seu estômago e pensou em simplesmente fechá-lo novamente, uma vez que o câncer já havia se espalhado. No entanto, a Divina Providência deve tê-lo intuido para que pelo menos tentasse e também deve ter guiado suas mãos, pois após a retirada de partes do intestino danificadas, a cirurgia foi um sucesso.

Seu câncer foi resultado de muitos pães com mortadela e refrigerantes, para economizar as diárias de refeições que seus patrões lhe dava e poder levar uma "mistura" (carne) para sua esposa e filhos. E no entanto, eles não o valorizavam.

Depois da cirurgia, veio a aposentadoria por invalidez. Mas ele não se fez de rogado! Voltou a trabalhar assim mesmo, pois sua aposentadoria era proporcional e não integral.

Quase morreu várias vezes em acidentes na estrada, inclusive capotamentos.

Apesar de todas as dificuldades que passava na estrada, acredito que sua maior dificuldade estava dentro de sua própria casa, que em nenhum momento poderia ser chamada de "lar". Sua esposa reclamava demais, seus filhos viviam brigando e ele recebia pouco carinho.

Veio a separação, depois a superação. Melhorou sua vida. Adquiriu sua própria casa; construiu outras para alugar; comprou algumas cabeças de gado no interior, para onde ia constantemente. Seus filhos raramente o visitava; ele visitava apenas uma. Esqueceu de cuidar de sua saúde...veio a doença novamente. Desta vez muito mais grave: infarte no intestino delgado - cirurgia. Segundo AVC...60 dias de internação. Alta... Recuperação... Seis meses depois, terceiro AVC. Desta vez prejudicou seu lado esquerdo, sua memória, sua coordenação motora. Ficou impossibilitado de comandar sua própria vida e o que é pior, IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR!

Para quem passou dezoito anos na estrada, dirigindo grandes caminhões e carretas, fazendo aquilo que mais amava, ficar impossibilitado de dirigir, é como se tivesse chegado a morte. Quanto sofrimento, meu Deus!

A todos vocês, caminhoneiros, o meu muito obrigado por existirem. Que Deus os ilumine nessa longa estrada da vida e que possam se lembrar e também respeitar, aquele que realmente foi um grande caminhoneiro: Antonio Félix Ribeiro Filho.