AO
ALCANCE DAS MÃOS | ||
Cláudio
Tino | ||
A perna coçava irritantemente e a luz do Sol invadia seus olhos como farpas de madeira, a embreagem estava dura demais e os rolamentos dianteiros estalavam. José de Alencar estava cansado e com sono. Dirigira a noite toda e sabia que muitos quilômetros restavam para que seu destino surgisse no horizonte. O suor escorria pela sua fronte. Mas o que ocupava sua mente não era o cansaço. Era a imagem de Izilda. Havia oito dias que partira de Morrinhos, em Goiás, rumo a Cascavel, Paraná, transportando uma carga de soja. Sua mulher ficou lá, encostada no portão, observando o caminhão descer a ladeira de paralelepípedos, com o rosto pacífico e um leve sorriso. Ele a amava. E sabia que ela sentia o mesmo. Mas nas últimas viagens, a saudade que sentia de Izilda se confundia com um leve incômodo e ficava horas pensando o que ela estaria fazendo na sua ausência. Nunca desconfiou dela nesses quase dez anos de casamento e Alencar se penitenciava por esses pensamentos passarem pela sua mente. Só não conseguia evitá-los. Estava tão imerso em seus devaneios que nem percebeu a fome apertando seu estômago. O posto de gasolina à frente parecia ter comida boa, embora a limpeza não fosse o maior atrativo do lugar. No banheiro, a água fria da torneira trazia Alencar à realidade. Sua perna coçava e a cabeça começava a doer. Mas Izilda não atendia o celular. O sono parecia incontrolável, seus olhos fechavam a cada minuto, a respiração lenta, a vista turva, os carros pareciam dançar. Os braços dormentes mal conseguiam segurar o volante e ele pensava em Izilda traindo sua honra. Já a imaginava com aquele patrão dela, aquele obeso, que arfava a todo o momento, suando feito um porco. Ou com o rapazote do mercado da vila. Aquele fedelho cheio de sorrisos. Ela devia estar de olho nele faz um tempo, afinal, ia todo dia comprar alguma coisa e nunca levantou desconfiança. Trazia sempre um pouco de pão, presunto ou tomate para disfarçar. É isso, era amante do repositor do mercadinho, agora tinha certeza. Não estava nem mesmo atendendo o celular. Súbito, a estrada rodava. O mundo rodava. Manchas verdes e pretas, indo e vindo. Quando tudo parou, sua cabeça estava zonza, um mal estar corroia seu estômago e um cheiro de combustível fazia arder suas narinas. Não conseguia se mexer. Ao longe, crianças gritavam como sirenes. Pensava
em Izilda, em como iria contar que havia sofrido um acidente e que gastariam em
consertos, deixando-o um tempo sem poder rodar e sem ganhar dinheiro. Isso se
ela largasse do garoto do mercadinho. Porque se isso acontecesse, Alencar a perdoaria,
isso já estava decidido. Pensar em Izilda trazia conforto a ele, fazendo-o quase esquecer que sentia um pouco de sede e que alguns calafrios percorriam sua pele. Imaginava-a naquele vestido azul que ela gostava tanto de usar aos sábados à noite quando saiam para ir ao cinema ou ao baile. Porque ela o traiu? A culpa era dele, sabia disso. Passava muito tempo viajando, deixando-a sozinha, à mercê de todo tipo de aproveitador. Mas tudo voltaria ser como antes. Seriam felizes de novo. A noite finalmente chegava e o frio levava seus pensamentos embora. Horas depois, Izilda atendia o celular. E chorava ao ouvir a notícia. Naquele dia, ela também descobria que estava grávida. | ||