CAMINHONEIRO
Ana Stela
 
 

A neblina esconde os contornos da estrada. Os faróis iluminam apenas uma pequena distância além do pára-choque. Um frio cortante congela os ossos de quem se acostumou a ver o mundo da boléia do caminhão.

Cansaço. Sono. Fome. Solidão... Terêncio não sabe dizer o que é pior.

Talvez a solidão, a falta de companhia e de calor humano.

Dirigir durante horas a fio, aproveitando o pouco movimento nas estradas sinuosas da região: eis o seu ofício, escolhido como se essa fosse a única opção possível desde os tempos de menino, quando via o pai partindo, e chorava o abandono que ainda não entendia ser temporário -até que um dia não foi mesmo, pois ele nunca mais retornou da última viagem que fez.

Talvez Terêncio ainda o procure nas rodovias, nos bares, botecos, postos e motéis de beira de estrada.

Talvez ele ainda não aceite a sua morte ou talvez procure a própria, num reencontro que as religiões prometem e os dezenas de filmes confirmam.

Porém, mais solitárias do que as estradas são as praças das cidades pequenas àquela hora da madrugada.

Casas fechadas, pouquíssimas luzes acesas numa ou noutra varanda, um poste aqui, outro ali.

Só os guardas-noturnos (quando existem) e os cachorros sem dono perambulam pelas calçadas, igualmente solitários, cabisbaixos, lentos, mergulhando na escuridão dos becos e vielas, para, então, desaparecerem de vista.

Muitas vezes Terêncio se sentiu assim, como um cão abandonado, um pária, um esquecido pela sociedade...

À medida que a madrugada avança, o caminhão prossegue sua jornada e a claridade começa a tingir o firmamento, seus pensamentos também se modificam, as idéias parecem clarear igualmente.

A viagem chega ao fim, a missão está cumprida, a carga foi entregue.

É hora de buscar um abrigo, uma cama, uma refeição quente, um banho, um descanso merecido e os sonhos...

Que sejam coloridos, que mostrem outra realidade, mais amena, mais humana, mais feliz!