AS LUZES NÃO BRILHAM MAIS COM A MESMA INTENSIDADE
Sharon Ratis
 
 

- Eu odeio este poder maldito que eu dei a ele, poder de decidir se meu dia vai ser bom ou ruim. Este poder que ele tem de me alegrar com um oi ou de me jogar no mais fundo dos oceanos sem dizer nada, apenas não falando comigo, como se eu fosse invisível. Odeio porque fico em suas mãos e nunca estive nas mãos de ninguém, então não sei lidar bem com isso. Quando o vejo, sabe ? Quero falar, dizer que estou com saudades, que pensei nele o dia todo, que quero estar com ele. No lugar disso, tenho de ficar quieta, amordaçada, esperando que ele se manifeste. Você não sabe o que é para uma pessoa, como eu, ter de ficar calada.

- Porque, se eu tomar a iniciativa, vai parecer cobrança. E não é cobrança. Estou lhe dizendo que não é. Nem tenho condições de me colocar nessa posição. E quando ele dá o ar de sua graça, fico tão feliz! Tão feliz que deixo toda a tristeza para trás, perdida. Se você pudesse me ver! Se pudesse ver o sorriso que escondo dele! O brilho dos meus olhos! Se você soubesse o quanto ele alegra o meu dia, o fim de semana, a semana toda! Ele também não sabe. Se soubesse, eu estaria lhe dando mais poder ainda. Um poder muito maior do que esse que ele já tem que é o de controlar minhas emoções. Então prefiro deixar assim, meio que não falado. Embora, no fundo, ele saiba. Ele é tudo, menos burro. Aliás, ele me conquistou com sua inteligência. Enfim, alguém a minha altura! Quanto mais inteligente você é, mais sozinho você fica, te garanto. Às vezes, sabe ? Canso de ser sozinha.

- Ele não me julga tão inteligente assim. Se julgasse, não perdia o pouco tempo que ele não tem. Não sou mais tão jovem, mas ainda tenho todo o tempo do mundo. E quero passar este tempo ao lado dele. Pelo menos, os bons momentos. Desculpe, qual foi mesmo a pergunta que você me fez ?

- Não é só isso, não. Odeio não poder fazer o que quero na hora que quero. É como ser castrada. Você é homem, entende melhor do que eu. Ah... não é homem... Tudo bem, é do gênero masculino. Saí do assunto de novo. É que é mais fácil falar do que não quero do que falar do que eu quero. Falar do que não gosto do que falar do que gosto.

- De viajar, eu gosto. É uma das coisas da qual mais gosto. Viajar assim, sem pousada, sem nada. Colocar a mochila nas costas, pegar um ônibus e partir. Avião, não. Tenho medo. Há muitos lugares os quais gostaria de conhecer por essas minhas andanças, mas ainda não é isso. Porque isso, consigo sozinha, não preciso de sua ajuda, obrigada. Basta que eu me dedique um pouco.

- Tem razão. O problema é esse, não consigo me dedicar a nada por muito tempo. Desvio a atenção, me canso logo. É que a vida é tão curta e tão cheia de possibilidades! Fico querendo provar todas!

-Talvez ser mais centrada. Escolher uma coisa e ser capaz de ir atrás dela até o fim, não ficar encantada com outros caminhos e depois nem saber como fui parar ali e acabar me esquecendo do projeto inicial. É por isso que nunca acabo o que começo, sabe ? Eu me esqueço. Vou te dar um exemplo. Imagine que eu peguei uma trilha imensa para chegar à praia. É só seguir a trilha que chego lá. Mas essa trilha é tão bela, tem tantos pequenos caminhos que dão em outros pequenos caminhos com tantas oportunidades fantásticas que acabo me enveredando por eles, descobrindo coisas fabulosas que, na maioria das vezes, levam a nada, mas são tão deslumbrantes apenas por existirem que, quando me dou conta, não sei como cheguei ali, não sei como voltar e não sei qual era a idéia inicial. Então, já que estou perdida, continuo por ali, só para ver onde vai dar. E surgem outros caminhos, outras possibilidades. E fico sem saber o que quero mais. Ou o que quero primeiro. É como ter vários livros interessantes para ler. São tão fascinantes que você não consegue escolher por qual começar sua leitura e acaba não lendo nada. Você tem demais e por isso, não consegue escolher.

- Bens materiais nunca foi meu sonho de consumo. Porque acho que tudo o que o dinheiro compra é muito barato. O dinheiro comprou minha viagem, meus caprichos tolos na cidade onde ele mora, mas não teve nada a ver com a forma como me senti naquela tarde. Nem todo o dinheiro do mundo compraria aquela sensação. Isso foi ele quem fez. Ele transformou um dia de primavera na tarde mais encantadora do mundo, daquelas tardes que não podem acabar, o sol tem de continuar brilhando para sempre.

- Não, não quero uma tarde com um sol eterno. Seria um tédio sem fim. Como o Dia da Marmota, sabe ? Você não está entendendo. A tarde terminou, o sol se pôs, ele se foi, mas as luzes brilhavam com tanta intensidade! Noite mais bonita, mais intensa, nunca mais vivi. A lembrança dele ali, estendido, nu, era tão perfeita que bastava fechar os olhos e eu podia sentir gosto de seu corpo. Aos pouquinhos, as luzes foram perdendo seu colorido, seu brilho, o gás foi acabando. E, de tudo o que vivi só ficou este poder maldito que dei a ele. O poder de acender as luzes do meu mundo ou de me jogar nas profundezas das trevas. Nunca mais as luzes brilharam do mesmo jeito. Porque nunca mais fui feliz, realizada, plena do jeito que fui naquela tarde.

- É este meu sonho, senhor Gênio da Lâmpada Mágica: quero uma última tarde com ele, para que ele possa fazer as luzes brilharem com aquela mesma intensidade enquanto eu viver.