UM
DIA NA PRAIA DOS MOSSORENSES | ||
Raimundo
Antonio de Souza Lopes | ||
Fim
de semana chegando, época de férias e todo mundo descendo a ladeira
rumo à praia. Todo o ano é assim, pelo menos desde que eu me conheço
como gente. Praia para os mossoroenses é como circo ruim: quem está
fora quer entrar, quem está dentro quer sair. Isso mesmo. E quando digo
mossoroenses, falo daqueles que vão para passar o dia, ou no máximo,
um fim de semana. Imagine você querer ter seu lazer e não possuir uma casinha na praia? O jeito então é ir dando uma de convidado sem ser - como quem não quer nada - e ir se arranchando na casa de quem tem, e é, pelo menos, seu conhecido. Já contei, numa casa só, 54 pessoas, entre velhos, jovens e crianças. E a casa só tinha uma sala, dois quartos, um banheiro, além do alpendre, claro. Uma verdadeira zona de guerra! E é aí que mora o problema, ou seja, é aí que o circo pega fogo. Depois de todos esses anos ainda não há uma estrutura adequada para se receber essa leva de pessoas. Começa
pela falta de água, a energia não agüenta a sobrecarga e dá
apagões, enfim, a "fartura" é grande. Outro
dia, eu resolvi ir de ônibus (desse quê se aluga para "excursionar")
e me diverti muito com a aventura, desde a saída até a chegada à
praia e vice-versa. Como era só um dia, ou melhor, uma parte do dia, não
foi necessário procurar casas de conhecidos. Aliás, procurar casa
de gente conhecida é outra aventura. Voltemos para a "excursão".
Pra
começar, a viagem se inicia no dia anterior, quando se prepara a famosa
"farofa" (que de farofa tem muito pouco, pois o que se leva na verdade
é do bom e do melhor): a galinha torrada ou a carne de sol, o cuscuz, o
arroz e o macarrão. Para acompanhar, laranja, banana, abacaxi (já
em rodelas) e é claro, a bolacha recheada que é para a merenda dos
"bichinhos" (as crianças). O garrafão de água mineral
é essencial para não se desidratar. Tudo isso colocados separadamente,
por vasilhas de plásticos, acondicionados em uma bolsa térmica,
à prova de solavancos, pisões e bolsas, sobrepostas uma em cima
das outras e até servindo de assento para o seu próprio dono. Pois
bem, depois disso vem à fase da preparação pessoal: pôr
em bolsa tiracolo, a sunga (o biquíni), os óculos de sombra, o boné
de marca, as sandálias, a toalha e o protetor solar caseiro. A viagem é
curta, porém nesse espaço de tempo as crianças enjoam, os
marmanjos se embriagam, as mocinhas dançam os funks (com coreografias)
da vida, as senhoras suam (ônibus de "excursão" para a
praia não tem ar-condicionado e muito menos "toalete"), os adolescentes
namoram e os mais velhos roncam até babarem. O
pior é quando se chega à praia. Pela norma do trânsito praieiro,
são proibidos aos ônibus irem até próximo da tão
esperada orla marítima, ou seja, para pôr os pés na bendita
água e pular as sete ondas é necessário uma caminhada extra
(que não está incluída no preço do "fretamento")
de mais ou menos um quilômetro. Bem,
seria normal se não fosse pelo fato de que, até chegar à
praia, os turistas têm que darem uma de Indiana Jones, para ultrapassar
os perigos que espreita a caminhada. São carros entramelando por entre
os transeuntes, com seus alto-falantes potentes - ensurdecedores até para
ouvido de cachorro - camelôs vendendo da "canga" até água
de coco verde, guardas apitando sem ninguém dar atenção,
motos acelerando como se estivesse num rally, os bares lotados e as pessoas nos
alpendres dançando o "axé music". Nessa
hora, os marmanjos dos ônibus se esquecem que vieram para a praia e já
ficam por ali mesmo, pois além dos lamaceiros que vão se tornando
cada vez maiores - com o passar dos carros e motos - para finalmente se avistar
a praia, ainda tem um problema: a descida íngreme. Aí o bicho pega.
É um tal de segurar nos braços dos mais velhos; gente derrapando;
menino caindo e se relando todo; as mocinhas dando gritinhos de medo (na verdade
é para chamar a atenção de quem vem subindo penosamente o
mesmo caminho da descida) e os mais "robustos" vão se equilibrando
com todo cuidado para não deixar cair às bolsas, garrafões
e os isopores (de bebida, diga-se de passagem, pois a "malvada" faz
parte do pacote), mas como a descida é pequena, logo se alcança
o mar. Aí
vem outra etapa da viagem: procurar um local para pôr a "bagagem"
e que não seja pago. Se o dia estiver começando, se encontra. Caso
contrário, tem que ir andando até perto do "arrombado"
para se conseguir uma tendinha. Invariavelmente, essa procura leva certo tempo,
que pode ser precioso e que poderia ser aproveitado, como por exemplo: desfilar
o biquíni novo; os marmanjos mostrarem o tórax "bombado"
na malhação das férias, etc. Mas,
enfim, o paraíso! Um dia inteiro no sol, torrando, e ao mesmo tempo, se
livrando dos jet sky, das pranchas de surf, dos sky surf; das motos que passam
em alta velocidade por entre o mar e a areia dos banhistas; com o cuidado nas
crianças, mas, como todo brasileiro e bom nordestino, a gente sofre mais
nós goza! Na hora do almoço é um corre-corre de gente para
junto de sua "turma", pois apesar da comida ser farta, se alguém
da turma se atrasar, a comida falta. E tem a volta. No máximo, duas horas da tarde é para estar de volta ao ônibus. A subida é penosa. O esforço é dobrado, pois apesar da carga da vinda ter sido descarregada, a carga da volta - bêbados e crianças dormindo - é mais pesada. Uma verdadeira via crucis de pecadores. O mesmo trajeto, por entre carros, motos, bêbados e camelôs e, finalmente, o ônibus! O retorno é assim distribuído: 30% vêm dormindo; 10% falando da vida alheia (a vizinha que se encontrava por lá e que estava com um maiô que parecia do tempo do "ronca"); 10% namorando (alguns até trocaram de par) e 50% dos ocupantes bêbados. Aí vocês vão me perguntar onde eu me encaixo, certo? Respondo: nos 50%. . . | ||