AULA
BÁSICA | ||
Gildo
Staquicini Jr. | ||
Consumo
é a chave do desenvolvimento da civilização humana. É
o termo-chave da Economia, tanto na vertente capitalista quanto na socialista.
Sem consumo intensivo dos cereais cultivados nas planícies aluviais da
Mesopotâmia e ao longo do Nilo não haveria aumento significativo
das populações de caçadores/coletores, tanto quanto estes
não teriam necessidade da invenção da escrita (cuneiforme/hieroglífica)
para registro dos excedentes agrícolas que usavam como moeda de troca para
produtos não disponíveis em cada uma dessas regiões. Melhoria
das condições de vida: alimento farto e comércio de bens
duráveis. Eis o Homo economicus... Sem consumo desenfreado não há
porque aumentar a produção geradora de mais postos de trabalho.
Precisamos do consumo, portanto. Sonho,
neste caso, é o termo que usamos para designar aquilo que aspiramos, que
pretendemos, que desejamos, enfim; e não necessariamente as operações
mentais que ocorrem durante o sono; embora, seja muito comum que ambas se confundam
devido às milhares de interseções possíveis: devaneios,
estado de pré-sono, lembranças mal percebidas, deslocamentos, condensações,
formações reativas, fantasias, e por aí afora. Pois,
nós, humanos, não nos contentamos apenas com o que temos à
mão, mas, ao contrário, por termos excelente memória e esplendoroso
raciocínio (em comparação com as demais espécies do
planeta, é claro), sabemos que o futuro é terrivelmente incerto
(será que o Nilo vai encher da mesma forma que na última década
ou será que vai acontecer aquela seca que nossos pais tanto comentam de
sua infância?). Além do que, em boa parte das vezes, desejamos coisas
sem saber muito bem porquê e para quê, apenas sabendo que sem tais
coisas nos sentimos menos felizes, satisfeitos, alegres, do que com elas. Dessa forma, quando lá atrás, lá na Mesopotâmia, alguém aspirava ter uma estátua de Marduk (ou Gog, ou Magog) entalhada em cedro do Líbano, esse alguém sabia ser necessário trabalhar duro nos campos (o arado ainda não havia sido inventado, embora já houvesse irrigação) para obter sobra de trigo e/ou cevada (uma quantidade além daquela que permitisse apenas a sobrevivência do indivíduo ou do grupo familiar a que pertencesse) para trocar pelo artefato tão desejado (diziam que o cedro do Líbano tinha, por si mesmo, propriedades mágicas que potencializavam a força das súplicas ao deus supremo). -
Por isso é que te gosto de comer várias vezes por dia, minha querida.
- Disse o amante à sua amada. - Para aumentar a produção
dos meus sonhos. E
a amante repetiu-lhe as mesmas palavras, pois estavam em comunhão de consumo
onírico. Isso
foi durante as duas primeiras semanas. E depois? O
depois???? Bem...
o depois será na próxima aula. O professor fechou o livro. Dois
segundos depois tocou a sineta do intervalo que, às vezes, ainda sonhávamos
ser o recreio. Assim,
meu devaneio sobre o possível (porém improvável) consumo
do corpo de Daniela (aquela gostosa) foi interrompido e ficou para depois. Bem
depois. Muito depois. Num depois que deve estar em outra vida ou em outra história,
onde não haja Nilo, Gog, Mesopotâmia, professor, nem sequer consumo.
Apenas sonho. Apenas sonho. | ||