QUEM DIRIA!...
Adriana Vieira Bastos
 
 

Quem diria que uma pergunta, feita de modo tão displicente, pudesse transportá-la a um passado tão longínquo. Um passado que não ousara compartilhar nem com aqueles que teriam a condição de transformar, na época, o seu sonho em realidade...

Atordoada, fechou os olhos e viu-se com apenas nove anos de idade. Sorriu ao lembrar-se da rotina diária da volta da escola para casa.

Serelepe, ia brincando pelo caminho até parar em frente à loja, próxima da paróquia local. Olhava a boneca dentro da vitrine e o desejo de tê-la para si era tão grande, mas tão grande, que fazia com que o mundo a sua volta parasse e descobria, naqueles poucos minutos, o prazer daqueles doces momentos secretos.

Seu olhar em direção a boneca era tão forte, tão penetrante que, através dele, aprendera a amar à distância! A cuidar sem tocar! A tocar, sem tocar!

Aprendera a amar em silêncio!

O tempo passou, ela nunca comentou com os pais sobre a boneca, fazendo com que a pergunta da amiga a fizesse ver o quanto tinha sido rígida consigo mesma, desde criança...

Por que não tivera coragem de, ao menos, insinuar a seus pais o seu desejo pela boneca que fazia tanto parte de seu imaginário infantil?

Quando a amiga cutucou-a novamente, dizendo para acordar e falar logo qual era o seu maior sonho de consumo, ela simplesmente abriu os olhos, e com um sorrisinho meio desenxabido, deixando transparecer a tristeza que não fazia mais questão de ocultar, simplesmente respondeu:

" - Pois é, moça... há muito deixei de sonhar".