3X4 | ||
Sophia
Lange | ||
Bonito na foto. Era a primeira coisa que dizia Maria quando mostrava a foto do filho. Era um 3X4 assustado. De fundo branco. Apenas duas pro rapaz entregar na firma; a terceira ela pediu para ele. Ele deu, apesar dos apelos resmungões da namorada, que queria ter uma foto do namoradinho para mostrar às amigas do colégio. Primeiro dia no emprego... Falava Maria para as vizinhas. É hoje. E continuava: "Quem conseguiu foi a minha patroa. O marido dela é dono da empresa. Disse que ia dá uma oportunidade pro meu garoto. Sabe como é, né... Depois que o pai dele morreu foi difícil controlá. Mas agora, com a graça de Deus nosso Senhor, o meu filho ta encaminhado na vida. Tem um emprego. Logo, logo ele pára se servi cafezinho pra bacana e já ta fazendo outra coisa. Valha-me Deus Nosso Senhor". Tinha acabado de fazer 18 anos. Aquela foto representava muita coisa. Era o reencontro com a dignidade perdida. Um orgulho o filho trabalhar em uma empresa como servente, ao invés de ser soldado do tráfico. Os dois moravam num barraco; numa favela dessas tantas que tem por aí. A história deles: mais uma. Apenas mais uma... Mudando os personagens, uma coisa aqui, outra ali... O enredo, sempre o mesmo. Mas hoje não! Hoje era diferente... O único filho daquela mulher pobre, de nenhum estudo, de muito esforço, suor e trabalho, estava empregado. Trabalhando. Tudo que ela tinha feito, tantas humilhações de anos de serviço silencioso em casas de família tinha rendido para ele um emprego digno. E ela dizia: "Vai ver um monte de bacana, sentir cheiro de perfume importado das granfinas". E foi de casa em casa da vizinhança. Convocava as mulheres de dentro de seus barracos. A mulherada gritava das janelas. O sorriso sempre faltando dentes. As crianças pelos becos, brincando... A música alta. Os bares. A confusão do comércio local. Briga de vizinhas. Mas nada tirava a atenção de Maria do fantástico de sua vida. Seu filho tinha um emprego e ela queria ir correndo para casa, ávida pelas novidades que ele ia contar sobre o primeiro dia. De uniforme e crachá. Tinha até refeitório, "o que era ótimo", disse Maria para estimular o filho, quando contou que o patrão talvez tivesse uma vaga para ele no escritório. "Você não vai precisá de levar marmita. Eles dão comida pros funcionários e a gente economiza um dinheirinho. Quem sabe até a gente compra uma carne prum churrasquinho no domingo." Seis, sete, oito, nove, dez, onze, meia-noite. E nada do filho da Maria voltar para casa. Ela ficou na porta. Subiu a ladeira e desceu cinco vezes. Pegou o terço. Prometeu novena, subir a escadaria da penha de joelhos se o filho chegasse. Foi esperar na subida do morro... Perguntou para as crianças, para os donos dos bares, para os bêbados... Para todo mundo. Voltou para casa. Quando virou as costas para a porta... Ouviu baterem. O coração já sabia. Três homens carregavam... Aquilo que não era forma... Disforme; envolto num lençol. O sangue vermelho. E Maria só conseguia repetir, agarrada ao corpo do filho morto por uma bala na cabeça, que ninguém sabe de onde veio: "Mas ele estava tão bonito na foto". | ||