DISCRIÇÃO
Silvia Pires
 
 

Tonico de Abreu era homem de respeito e muito considerado pelo povo da cidadezinha de Vista da Mata.Sendo ele dono da maior mercearia da cidade, não havia um só cristão que não o conhecesse. Nem os pequenos sitiantes da região, ignoravam sua existência. Mesmo porque, além de pessoa honesta, era também de muita generosidade. Quando aparecia alguém em sua mercearia, com dificuldades financeiras, ele logo arrumava um jeito de ajudar. Ninguém saía de lá de mãos vazias. Sempre tinha um jeitinho de pagar a compra, mesmo que fosse a base de troca de mercadorias.

Desta forma, tornou-se muito querido por todos.

A verdade é que numa cidadezinha daquele tamanho, tinha que existir confiança entre seus moradores. Quem morava lá, é porque havia nascido no mesmo lugar, filhos e netos do mesmo povo. Era uma cidade "familiar".

Seu Tonico tinha esposa e duas filhas, moças bonitas e já em idade de casar.Morava numa casa grande e bem construída, pintada de amarelo ouro. (Ele dizia que o amarelo era para chamar dinheiro.) Localizada a uns quinhentos metros da mercearia, facilitava suas idas e vindas do trabalho.

Somente uma vez por mês, Seu Tonico fazia uma viagem à cidade grande. Lá ele providenciava o abastecimento de seu comércio e resolvia algumas coisinhas particulares. Estas particularidades, que eram somente do conhecimento dele, resumia-se a uma visitinha em casa de Zezinho das Flores. Rapaz jovem, mas já em boas condições financeiras. Possuía uma linda floricultura, sempre com as melhores e mais bonitas flores em exposição.

Nos dias em que recebia a visita de seu Tonico, o rapaz fechava a floricultura para abri-la novamente só no dia seguinte. Porém, sendo uma cidade muito maior que Vista da Mata, ninguém se atentava a este pequeno detalhe. E pensando exatamente nesta questão, Zezinho das Flores não se preocupava em manter muito sigilo sobre sua vida pessoal.

Certo dia, levou algumas fotografias a loja Veridiana Fotos e Filmagens, para que fossem reveladas. Tratava-se de loja grande e muito movimentada na cidade. Não conhecia o dono do estabelecimento, nem mesmo seus empregados. E o mesmo acontecia com ele. Ninguém de lá o conhecia.

Mas para sua infelicidade e infortúnio, um dos funcionários da loja era filho de um casal de idosos, moradores de Vista da Mata. E como prova de que a vida é cheia de surpresas, ironicamente foi o mesmo rapaz que revelou as fotografias.

Dois dias depois de deixar o filme na loja, Zezinho das Flores foi retirar suas tão esperadas fotos. Pegou o envelope lacrado, pagou a quantia devida e foi-se embora, feliz da vida.

Vários dias depois, seu Tonico dirigia-se à mercearia com um sorriso no rosto e cheio de contentamento, pois o dia estava lindo e ensolarado. Nenhum sinal de nuvens no céu e uma temperatura agradável, como ele gostava. Contudo, notou que algumas pessoas o olhavam de soslaio, outras o evitavam e até ignoravam seu cumprimento. Ficou a imaginar o que teria acontecido. Não se lembrava de ter tratado mal a ninguém, ou mesmo de ter dito algo que ofendesse seus clientes e amigos.

Para sua surpresa, não tardou a descobrir o motivo de tanta esquisitice.

Na porta da frente da mercearia, em tamanho grande o suficiente para que todos pudessem ver, estava colada uma fotografia sua. Na verdade era quase um pôster. Nela, o respeitado Seu Tonico, estava vestido com uma sensual camisola rosa-choque, com uma rosa vermelho-carmim entre os dentes e em pose de gato manhoso, pronto para receber carinho como prêmio. Logo abaixo da figura, escrito em letras garrafais, dizia a frase: "Bonito heim ... Seu Tonico!"