LILIAN
Osvaldo Luiz Pastorelli
 
 

Mesmo no acampamento recebia duas, três e até quatro cartas. Um dia foi um recorde, recebi seis cartas de Lílian. Foi um período farto em cartas que muito me ajudou a passar aqueles momentos de solidão, longe dos familiares. Meus pais tinham saído de Rio Claro e foram para São Paulo, o que tornou as visitas mais difíceis. E nossa correspondência foi um ponto de apoio que sem perceber me apoiei com todo ardor. Transmitíamos uma cordialidade que não deixávamos cair, contávamos um para outro tudo que acontecia em nossas vidas. O bom é que foi num crescendo de intimidade sem notarmos o grau de camaradagem que crescia nas cartas, entre nós. Sentíamos que algo havia, percebíamos, mas nunca usamos a palavra amor, mas nas entrelinhas estava lá. Desde o nosso primeiro encontro, surgiu a atração espontaneamente, sem pudor ou timidez de ambas as partes.

Era um fim de semana quando chegamos a casa dela, um sábado de sol bonito. Não sei porque, depois de tantos anos, meu pai resolveu visitar os pais dela, parente afastado. A principio eu não queria ir, não conhecia ninguém, por fim de tanto insistirem, acabaram me arrastando. O bonito é que desde o momento em que fomos apresentados e até o dia que saímos, eu e Lílian estivemos sempre juntos, conversando, rindo, calados, um perto do outro. Ela foi me contando do seu dia a dia, como gostava de viver, dos amigos, de se divertir, suas paqueras, seus estudos. Talvez aqueles momentos ao lado dela tenha sido o grande momento, aquele instante que a gente tem que agarrar e não largar mais, agarrar com as duas mãos, o momento inesperado que tanto ansiamos e que não se pode perder. E, no entanto, perdi.

Hoje acredito que realmente perdi o meu grande momento. Mas como poderia eu saber?

Porém, nisso tudo havia um dedo, o dedo materno, o dedo da minha mãe que via tudo aquilo como uma paixão interesseira, não sei, não posso dizer, pois minha mãe nunca foi de me dizer às coisas abertamente.

Sei que ao nos despedirmos fizemos um juramento, manteríamos uma assídua correspondência, que não passássemos um dia sem escrever um para o outro. E estávamos cumprindo a promessa. Eu não ficava um dia sem escrever para ela, todos os dias colocava uma carta no correio, e todos os dias eu recebia uma carta dela. E todas as cartas, tanto as minhas como as delas, eram longas, mais de quatro folhas. E no dizer dela ao trocarmos foto me disse que eu era bonito na foto. E continuamos a nos correspondermos depois que saí do quartel. Um dia, chegando em casa depois do serviço, minha mãe me disse:

- Adivinha quem veio aqui?

- Como posso saber, respondi.

- A Lílian com a mãe dela.

- Vieram aqui? Mas ela não me escreveu que vinha. Não quiseram me esperar?

- Não. Disseram que vieram apenas para comprar algumas coisas e aproveitaram para fazer uma visita rápida.

- Pó, que chato...

- A mãe dela a trouxe aqui só para ver como vivemos, para mostra que você não tem condições financeiras para sustentar a queridinha da filha dela.

- Será que é isso?

- Claro que é. Me explique então como de uma hora para outra, sem avisar aparecem aqui, sem mais sem menos, e bem num momento que sabiam que você não estava aqui! Foi de propósito que vieram aqui. Talvez não da Lílian, mas da mãe dela.

- Será?

E assim, como tinha começado aquela bela camaradagem que poderia com o tempo ter conseqüências mais intimas, talvez, até casamento, terminou do mesmo jeito que começou, numa boa, as cartas foram rareando da parte dela, até que nenhum dos dois não escreveu mais.

Hoje me pergunto: o que poderia ter acontecido se não houvesse o dedo das mães nisso tudo? Ou dedo da minha mãe. Pois, nunca fiquei sabendo se elas vieram mesmo, ou se foi apenas invenção da minha mãe. Nas cartas, nem eu e nem ela, tocamos nesse assunto.