FOTOS VIVAS
Leila de Barros
 
 

Cai a tarde de terça-feira feito uma cortina aveludada de teatro.

Tantas terças, quartas e finais de semana se passaram.

Não vimos as flores de laranjeira florindo e nem o verão rubro-dourado manchando nosso céu urbano.

Esperamos...

Guardamos os sonhos nas gavetas da cômoda, acumulamos fotos e guardamos para olhar depois...

Temos feito viagens internas, reflexivas e exaustivas, mergulhando fortemente nos filmes que assistimos, nos livros que lemos, desejando até mesmo ser os personagens.

Ficamos assim, sem um roteiro próprio e emprestamos os alheios.

Mas, filmamos tudo o que ocorre, com as lentes da memória e com nossas câmeras digitais, para termos novas impressões, novas reflexões, novos guardados.

Estamos andando em círculos e as fotos nos refletem nos murais da cidade, ficamos comuns entre tanta nudez e notícias.

Procuramos novas composições, novos ângulos e um retrato em preto e branco que nos remeta a uma fuga de nós mesmos, para mergulharmos no infinito universo novo que nos aguarda em alguma nova rodovia ou vizinhança.

Precisamos nos soltar do álbum de papel, libertar nossas almas dessa aura química, para que nossa porção xamã nos indique o caminho.

Mas, não resistimos e insistimos em guardar as fotos, as lembranças, os papéis de bala, os porta-retratos, as cartas envelhecidas.

Nossas vozes ecoam nas paredes, que precisam se tornar afrescos.

Hoje, ponho a mesa do jantar e não sei quando vou ter seu prato colocado nela.

Ouço o ruído forte do motor dos aviões que sobrevoam meu apartamento e imagino se um dia vou estar em um deles, indo ao seu encontro em algum lugar desse mundão que você tanto gosta de explorar em fotos e in loco.

Temos sido raízes e ciganos, um paradoxo ambulante.

Mas, uma vez, faço uma tentativa de quebrar o ciclo e volto às minhas caixas de papelão com a mudança ainda por fazer. Revejo as lembranças, procuro uma referência, mas procuro também a liberdade.

Acho que vou fazer uma fogueira e queimar tudo o que não for verdadeiramente significativo e, por que não dizer, útil nas novas trilhas.

Encontro um porta-retratos com uma imagem nossa em uma praia qualquer.

Coloco um CD de música francesa e brindo com água em taças finas, desejando a mais farta comemoração...

Afinal, a vida recomeça nesta terça-feira de março, pós-carnaval e tão próxima da Páscoa, e estamos tão bonitos na foto!