RETRATO
Aline Carvalho
 
 

O amor ainda não havia amanhecido, mas no seu peito já era tarde e ele queria porque queria resolver aquela situação. O amor dela nunca amanhecia, nunca amadurecia, e ele estava cansado de amar em vão.

Decidiu ser feliz de outra maneira, com companhia, naturalmente, mesmo que não a amasse exatamente. Se só gostasse, se tolerasse, já seria suficiente.

Telefonou para aquela cuja manhã ainda não chegara e comunicou sua resolução: nada de contato, daquele dia em diante, só lembrança, só o retrato.

Mas decisão é mais fácil só falar. E quando o dia amanhecia, o coração doía e o peito pedia... ela! Ela e não a outra, ela, a do retrato sorridente, na tela somente.

E viu que outras não havia: aquele retrato que sentia no seu campo de visão também anoitecia dentro do seu coração.

Era mais verdadeiro chorar sozinho no travesseiro. Era mais verdadeiro viver cercado de solidão. Era mais verdadeiro ver seu retrato por todo lado, no relógio de cristal, nas vitrines onde nem sempre é natal, na saia azul que ela nunca usou, na praia, viagem de sonho que acabou.

Destruído por dentro, mas honesto. Destroçado, acabado, funesto, mas decidido: na fotografia de sua vida, ela seria o dia mais bonito.