RETALHOS
DE UMA VIDA | ||
Valéria
Vanda de Xavier Nunes | ||
Já li em algum lugar que quando estamos caminhando para a idade mais avançada, ou seja, "dobrando o cabo da boa esperança", costumamos perder um pouco de nossa altura, a visão começa a nos dar vexame, não fazemos mais o que gostamos com a mesma agilidade e entre outros desconfortozinhos começamos também a diminuir as nossas horas de sono. Pode até não serem verdadeiras estas afirmações, mas que ultimamente o meu sono está dando sinais de que anda alterado, isso com certeza é verdade. Não sei se por causa da idade, do estresse do cotidiano, ou pela saudade que sinto de minhas filhas, o certo é que já não durmo o "sono dos justos" como acontecia antes, e são nestas noites insones, quando fico com a cabeça rodando de um lado para outro no travesseiro que as divagações começam a preencher minha mente levando-me a questionamentos do tipo: "Quem sou eu?, O que estou fazendo aqui neste mundo de Deus?. Qual será a minha missão nesta vida"? E se é certo que todos nós temos uma missão nesta vida - qual seria a minha? Bom, acho que essa história de "crise de identidade" não é brincadeira de psicólogo não. Parece que todos que chegam a uma "certa" idade começam a se fazer estas perguntas. Será que é mesmo...? Pois bem, como eu vinha dizendo, nestas noites de insônia, à vezes sou acometida de momentos de tristeza profunda e inexplicável. Uma inquietação constante se apossa de mim e começo a divagar sobre a minha vida passada, presente e futura. São nestas horas que percebo como fui privada de uma das melhores fases da vida que é a adolescência. Fico me perguntando como pode uma pessoa se casar na idade que me casei - dezessete anos- a completar - vale salientar. Pode uma coisa desta? Pois é, pode, pois eu me casei. Não por que estivesse grávida, não... não foi por isso, pode acreditar. A causa de um casamento "apressado" foi um beijo roubado numa hora errada, pode? Pois é, repito mais uma vez que pode. Não me foi dada na época o direito de escolha. E então percebo que minha vida sempre foi pautada em cima de muitos deveres e poucos direitos. Quando olho minhas sobrinhas que hoje estão com dezesseis ou dezessete anos, acho-as umas gurias, umas menininhas, e fico lembrando que na idade delas eu já era uma mulher casada e com todas as responsabilidades do novo "status". Como foi possível isto eu não sei dizer. Só sei dizer que, a partir do momento que pulei da fase da infância para a fase adulta, perdi de viver plenamente os anos "rebeldes". Perdi o direito de ser inconseqüente, de dormir até não agüentar mais, de não ter responsabilidades maiores, a não ser a de estudar. Perdi o direito de ter meus próprios amigos, de ir a uma festa, a uma praia, tomar um sorvete com uma colega, ir ao cinema com os amigos, dormir na casa da amiga íntima, poder namorar todos os rapazes, praticar o esporte favorito, ter meus segredinhos com as amigas, não precisar me preocupar com a casa, com o almoço, com a roupa lavada nem com a empregada, enfim, perdi muito cedo o direito de ser "livre", e a liberdade, descobri tarde demais, é a coisa melhor do mundo. Mas, no momento em que você se une a alguém pra valer, tudo isso é deixado para trás, pois você não é mais você somente, você é apenas a "metade da laranja". Você deixa de ter sua própria vida e passa a dividir sua vida com alguém, de certa maneira, você se "aprisiona" a outra pessoa. Estar casada nesta idade é como viver numa "gaiola dourada", com seus encantos, suas maravilhas, suas vantagens, mas que lá no fundo, você sabe que perdeu um pouco da sua identidade, e se não tiver cuidado, vai se deixando levar pelo outro até perdê-la de uma vez. Acho que talvez por isso, por não ter vivido plenamente minha adolescência, hoje, como professora de adolescentes, muitas vezes não consigo compreendê-los quando se mostram tão rebeldes, tão irrequietos, conversando demais uns com os outros, pois, não posso dizer "já fui como eles." Talvez, lá no fundo, bem no inconsciente, eu sinta certa "inveja" desta despreocupação, desta rebeldia sadia e própria dos adolescentes e que não me foi dado o direito de também possuir. Hoje, se me fosse possível voltar atrás no tempo, e me fosse permitido escolher, lhes garanto que certamente não me casaria com dezesseis anos incompletos. Ah! não, isso jamais. Não poso dizer que "cometemos" um erro, minha família e eu, pois meu casamento dura até hoje, está em vias de completar trinta e cinco anos, e posso dizer com certeza que sou feliz. Mas, sinceramente, jamais aconselharia ninguém, a nenhuma adolescente no auge de seus dezesseis anos, nos dias atuais, a se aventurarem em um casamento quando têm diante de si todas as liberdades de escolhas que lhe são permitidas. Não se deve negar a ninguém o direito de viver plenamente as fases da vida: infância, adolescência e idade adulta. Estas fases devem ser vividas por todos em toda a sua plenitude. O mundo moderno oferece às mulheres toda a sorte de oportunidades e liberdade de escolhas, cabe a cada uma escolher entre a sua liberdade e o casamento o que para mim, hoje com a experiência que tenho, seria a última das prioridades. Não que eu seja contra o casamento, isso não, mas, acho que toda mulher deve lutar pela sua independência financeira antes de qualquer outra coisa; nenhuma mulher deve depender do marido para o que quer que seja. O casamento deve vir sim, mas, para coroar tudo, pois, ninguém nasce para ficar sozinho. | ||