CROCODILO NEWS
Doca Ramos Mello
 
 

Isso aí de crocodilo não significa crocodilo ao pé da letra, mas eu preciso explicar porque de repente você não entende o que está acontecendo... Vai ver não ainda não sabe que eu tenho um lagarto de estimação e que, por conta de um entrevero com visitas paulistanas, ele foi promovido a crocodilo. Ou jacaré. A depender de quem falar no assunto, se o marido ou a mulher, para quem, quando os dois vieram nos visitar, eu caí na besteira de mostrar, das grades da minha piscina, Sua Majestade Ilhabela. Com a boca cheia de elogios, descuidei-me do passeio de meu lagarto e, quando o casal o viu foi um deus-nos-acuda, mas não vou falar mais sobre esse episódio porque até hoje aqueles paulistanos não gostam de mim e ainda andaram espalhando que aqui em casa nós não somos higiênicos, etc., etc. - eles não têm grande intimidade com bichos, eis a questão.

Esse negócio de meio ambiente, para os moradores das cidades grandes, deve ser alguma coisa etérea, difusa, quase uma tese, porque na prática parece que eles não sabem muito bem como funciona. Bom, eu posso contar também que tenho um gavião, uma família inteira de bem-te-vi, alguns tiês-sangue, rolinhas aos montes, maritacas, uns sanhaços, bandos de bico-de-lacre, noivinhas, aranhas variadas, vagalumes, corujas, sabiás, beija-flores, rãzinhas de estimação, borboletas multicoloridas, entre outros bichos todos soltos, sem contar as maricotinhas ordinaríssimas que já nem correm de mim, comem a ração e bebem água nas vasilhas de Preta Gil sem a menor cerimônia.

Mudando de assunto, pois...

Meu lagarto havia sumido. Acho mesmo que teve lá seu descontentamento por conta da calúnia e da difamação sofridas e decidiu dar uma área forte, como diz a galera adolescente, então, vazou. Foram meses hibernando na caverninha dele lá, até pensei que tivesse se mudado ou que, na hipótese mais trágica, tivesse sido levado à mesa para degustação de alguns funcionários da construção civil que trabalharam aqui por perto um tempo e são altamente apreciadores dessa iguaria gastronômica, Deus me defenda!

Não como carnes esquisitas, incluindo tudo o que berra e salta como rã, carneiro, cordeiro, coelho e cercanias. Aliás, fui jantar certa vez com minha irmã Clarice e não prestei muita atenção ao pedido dela. Uns vinte minutos depois, vejo diante de minha extasiada irmã uns franguinhos raquíticos muito brancos e estranhei. "É rã", disse ela, da mesma forma que diria 'é batata', a Clarice é assim..., colocando uma pá de cal no meu jantar e me revolvendo perigosamente o estômago frágil, mas é preciso esperar tudo de uma pessoa que come pé de galinha, sabendo-se que pé de galinha é uma indecência, uma transgressão aos bons costumes... Clarice recomenda ao menos uma vez por semana pratadas de pés de galinha à sua resignada empregada, é uma imoralidade. Se eu tivesse de cozinhar pé de galinha, pediria demissão.

Enfim...

Ei-lo de volta ao meu quintal, agora cevadíssimo, um senhor lagartão! E com uma novidade alvissareira: a-cam-pa-nha-do! Vai ver se amigou, amancebou-se, eu nem sei bem como funcionam essas uniões informais, só sei que a moça é menor que ele, mais prateada no dorso e bastante ágil - é sentir a minha presença e ela corre para a caverninha. Ele, não sei se por questão de convivência antiga ou em função do acúmulo de banha - o bicho está um boi! - quando me vê, demora um pouco para sair rebolando de volta para seu esconderijo. E vai sacolejando molemente, sem pressa.

Como será que ele arrumou companheira - amante, gestante, namorada...(vou aguardar que Renan Calheiros lance um manual de tratamento para essas questões, ainda mais agora que as uniões informais estão na ordem do dia e as antigas amásias têm muito mais direitos que as esposas de papel passado, eu me atrapalho com essas terminologias e preciso me preocupar com o politicamente correto, a vida não está nada fácil para quem fala, calcule-se para quem escreve) ...? Nunca o vi sair em busca de paquera, sempre entocado naquele buraco e depois de tanto tempo sem dar o ar de sua graça, reaparece acompanhado, lampeiro, cheio de amor p'ra dar, ora, ora, ora...

O amor é lindo, mas me causa preocupação.

Saberão o senhor e a senhora lagarto como evitar ovos? Porque se eles forem despreocupados como a juventude humana de hoje, antevejo o meu quintal coalhado pela prole, um bando de lagartos de todas as idades a tomarem sol na minha grama... Sem contar meu problema com Preta Gil, que não respeita a privacidade do casal, não se toca sobre o fato de eles não curtirem muito a invasão em seus domínios, vira-e-mexe eu a pego cutucando a caverninha com a pata negra curta - ela se fartaria a irritar os lagartinhos! Fosse ao tempo da finada Letícia Sabatella e não haveria motivos para preocupação porque Lelinha fazia um estilo mais 'blasé', não se misturava com bichos outros, ciente de sua condição de 'pet' favorito, mas Pepê, coitada, ainda é relativamente nova na casa, se atrapalha com as mordomias que tem e, além disso, é mesmo muito criançona, fuça tudo o que vê. Também, é preciso dar um desconto, afinal não se nasce na rodoviária impunemente, ela deve ter uns traumas do tempo em que se escondia nos vãos da laje e só podia sair no período noturno, evitando assim os maus-tratos que as pessoas más dispensam aos gatinhos de rua. As duas foram adotadas aqui em casa. Letícia morreu velhinha e feliz e eu quase morri junto, há um ano e meio. Então, adotei Preta Gil de Camargo Leite e Almeida Soares - a princesa do quilombo. Dei-lhe esta alcunha para fazer dela uma autêntica nobre afro-descendente e, hoje, ela já é reconhecida como gata fina, de elegantes maneiras e membro da ilustre Casa de Castela e Villegaignon... Assim se faz a nobreza nacional, hoje ela é quatrocentona.

Ah, os lagartos.

Pois então. Minha empregada afirma que os lagartos estão num namoro bravo, se não estão casados, diz ela que o negócio é p'ra casar, com certeza, ela própria já presenciou o interregno amoroso, e eu aqui, pedindo a Deus para que a fêmea tenha dificuldade em botar ovos e assim evite o crescimento da população largatística no meu quintal. Que eu saiba, ainda não estão fazendo lagarto de proveta, portanto se os céus me atenderem o pedido, acho que vai dar tudo certo. Eu ainda sou meio encanada com a visita paulistana, mas apesar de crer que aquele casal não volte mais, não estou livre de visitas da Paulicéia, pois, agora mesmo, minha filha, que mora lá, tem programação para trazer uns amigos dela no próximo feriado e para mal dos pecados, entre esses amigos há uma mocinha que mora em uma cobertura. Ou seja, essa nunca deve ter visto pernilongo ou borrachudo ao vivo e a cores, ou seja, tenho de preparar uma palestra.