VIVER
Jurandir Araguaia
 
 

Perdoem pelo lugar comum: o bar estava apinhado de gente - e não poderia ser outra coisa. Noturno nunca foi meu forte. Prefiro o dia, o sol e a claridade. Empurrava-me, a obrigação social de ser jovem, para baladas que nunca produziram ou significaram nada. Sou avesso a muitas práticas que a sociedade considera naturais. Preferia uma caverna confortável, com todos os luxos da modernidade. Uma caverna com janelas para o mar, com luz, tapetes e cortinas. Inventaram o apartamento e me senti completo.

A baforada do amigo bêbado me traz de volta à realidade - nua e crua. Estou cercado por pessoas estranhas cujos nomes nunca saberei. Sinto-me vingado; nunca saberão o meu. O som é alto, o que impossibilita qualquer conversação positiva. Meu amigo não fecha a matraca. Simplesmente balanço a cabeça afirmando que sim a tudo que diz. E, mesmo que expressasse alguma opinião, não me entenderia.

O cheiro de fumo misturado a álcool causa-me asco.

Temos mulheres por lá. Todas parecem acompanhadas. Procuro alguma que me dispense um olhar, um segundo de atenção. Minha cara-metade certamente não sairá dali. Talvez mesmo uma aventura fugaz me faça sentir melhor. Se fosse no tempo das cavernas bastaria um tacape e pronto. Nunca fui pródigo na arte da conquista. Tentar, tentei. Consegui, não sei como, pequenas vitórias que me valeram casos fortuitos.

O amigo insiste na conversa e me chama a atenção tocando-me no braço:

- Você também não acha?
- Acho, claro que acho.
- Pois, então, tenho ou não tenho razão?
- Ôôô...

Penso na cama e na coberta quente. Prefiro varar a noite lendo um livro ou assistindo a um bom filme de suspense. Graças às minhas noites adolescentes em claro, os melhores filmes sempre aconteciam de madrugada, adquiri um conhecimento vasto a respeito de clássicos da indústria cinematográfica. A Sessão ¨Cult¨ dos canais de TV fechada enchem-me de glória. Uma das diversões das minhas filhas é sintonizar no canal e me perguntar que filme é esse. Digo o nome. Conferem na programação. Acerto em cheio.

- Pai, você é um chato, respondem elas.

Hoje estou melhor do que naquele bar, na noite que se perdeu no tempo. Depois daquela chata sessão de chuva de saliva, vi aquele amigo por duas ou três vezes. Sei que se casou com uma menina do interior e vive em uma das fazendas da família vendo o gado engordar ao longe. Tinha tantos planos. Deve ter resolvido quase todos os problemas do Brasil e do mundo naquela mesa de bar.

Como esse tenho muitos amigos com os quais nunca troquei cartão de Natal. Também não envio cartões de aniversário, de convalescença e nem telegramas pelo casamento quando não compareço. Pelo visto vivo mesmo em uma caverna, solitário, dispensando-me de conversa fiada em cantos de bar, deixando que o melhor da vida passe na tela do vídeo, nas páginas do livro e no interior dos meus pensamentos. Isso sim é que é viver...