VIVÊNCIAS | ||
João
Rodrigues | ||
Chico Bezerra puxou um tamborete, sentou e cruzou as pernas, como de hábito, olhou para o nascente no momento em que a lua vinha saindo e disse: "Os homens se vão, mas ficam as lembranças." Isso foi surpresa para os freqüentadores assíduos da Bodega da Dona Graça, Raílson e Genival, que, mesmo àquela hora da noite ainda esquentavam cadeira com a conversa fiada de sempre. Não por Chico falar de lembranças, ele até que era um saudosista; ele só não era de filosofar. Gostava de falar do passado, dos tempos em que dançava pelos bailes da vida, das mulheres que fizeram parte de sua história, enfim, naquele lugar não se tinha muito do que se falar do presente - além do mais, o passado sempre foi um excelente recurso pra se contar boas histórias: o velho baú do tempo. - Deixa de tra-tra-trá, Chico - gritou da ponta da calçada o Genival, enquanto entornava mais uma dose de cachaça com Coca-Cola - tu tá mesmo é com saudade dela. - Não, Genival - falou Chico pausadamente, sem pressa, enquanto remexia a memória em busca de uma resposta convincente - tou falando uma verdade. Tudo na vida passa; e os homens também. Vi vocês crescerem aqui, e vi muita gente partindo daqui. Foram embora, mas deixaram suas histórias. A vida é feita de homens, que fazem histórias, que fazem a vida. É disso que tou falando. Do pé do balcão, Raílson interferiu: - O que tu quer dizer com isso, Chico? Tu não é de falar essas coisas! Tu deve tá com uma coisa guardada neste teu peito e não quer contar. Toma uma "lapada" aí e desabafa logo! Se for coisa de mulher a gente entende, né, Genival! Genival assentiu com a cabeça, ia dizer alguma coisa mas sentiu que algo mais profundo se passava pela cabeça do velho e experiente amigo. Ele sabia que quando Chico falava sério sempre saía algo interessante, portanto ajeitou-se na velha cadeira de madeira e esperou atencioso e respeitosamente que aquele homem, que muitas coisas já vivera, falasse o que queria falar. Chico olhou para os dois garotos e viajou no tempo. É, ele também fora garoto, e, se naquela época tivesse ouvido a frase que acabara de pronunciar, "Os homens se vão, mas ficam as lembranças", provavelmente também não a compreenderia. Há coisas que só quem já viveu, compreende. O tempo, implacável com todos, agora também estava sendo com ele. A juventude que não voltava mais, a força de seus vinte anos que há muito se fora. Ah, se tivesse seus vinte anos com a cabeça que tem hoje, a vida teria sido bem melhor, ou talvez não. Ou se tivesse hoje a força de seus vinte anos... a vida seria bem melhor... ou talvez não. Mas a vida é assim mesmo. A imperfeição do homem está aí: à juventude falta sabedoria; e à sabedoria falta juventude. Mas é assim que deve ser a vida. Se pudessem unir as duas coisas os homens tentariam superar Deus. O mundo perderia a graça, o prazer pelas coisas conquistadas, o respeito pelos outros homens, o seu ponto de equilíbrio. Em tudo tem de haver um ponto de equilíbrio. Chico viu naquele momento, entre ele e aquele dois garotos o ponto de equilíbrio: a juventude e a experiência, as duas coisas se completando. Aquele momento não seria o mesmo se estivessem ali só os dois rapazes, ou se estivesse apenas ele. O novo e o velho têm de se misturar, se unir, trocar forças e experiências e dar continuidade à vida. As pessoas se completam, necessitam uma da outra, dessa troca. Chico levantou-se silenciosamente, abriu a porta e sumiu na estrada pela noite enluarada. Genival e Raílson nada compreenderam. Apenas um silêncio ficou entre eles. Mas, daqui a algum tempo, num dia comum, ou numa noite enluarada qualquer, a vida trará a eles a sabedoria que só o tempo dará! | ||