COTIDIANO | ||
Ana
Terra | ||
Meu estômago geme de fome. O ar quente das panelas no fogão mesclam-se com calor deste sábado de carnaval. No varal roupas vazias, perfumadas e estáticas. Estou agoniada. O telefone grita no cômodo ao lado. Desligo rapidamente os botões do fogão. -Pronto! Voz chorosa resmunga: -Estou acabada de tanto trabalhar. -Imagino, você mora na firma.. -Eu preciso, será que você não me entende? Contenho minha angústia e respondo: -Claro que entendo. -Não tenho tempo para nada. Nem calcinha limpa tenho mais. Estou sem coragem de ir para o tanque. Fico sem silêncio. A choradeira do outro lado da linha aumenta: - Por que chora tanto? -Os quenianos.... Como aquele povo está sofrendo! -Espera aí: seu problema é a calcinha ou os quenianos? -Não sei de mais nada. Quero ir pra Júpiter. -Vamos por partes: você sabe que ainda é impossível ir para Júpiter. Guarde seu desejo por alguns bons anos. Pelos quenianos você nada pode fazer. Acenda uma vela e reze por eles. Agora responda-me: dá para trabalhar sem calcinhas? - Nãããããão seiiiiiiiii (chorando forte agora). Ai, meu pai...penso eu: - Respire fundo ,faça um esforço e vá até na área de serviço. Tá vendo o tanque? Sabe onde estão as calcinhas usadas? -Seeeeeeeei. -Pegue o sabão e esfregue algumas. Logo eles estarão secas. Soluçando: - Vou tentar. Beijo. Tchau. O suor pinga do meu rosto. Ouço barulho de chuva forte. Respiro aliviada. Corro para o quintal na esperança de me resfrescar e o que vejo? Toda a roupa, antes quase seca, respingando como meu rosto. As panelas? Deixa pra lá. Perdi a fome. | ||