PENSANDO
ALTO | ||
Claudio
Alecrim Costa | ||
Todas as mulheres do mundo deviam se chamar Maria. Essa de que falo era feita de matéria nobre, com curvas renascentistas e sexualidade mitológica. Dançava e fazia movimentos suaves enquanto limpava a janela, exibindo pernas fortes que brilhavam como uma escultura de bronze. Diariamente abria o jornal e pela janela via a vizinha pendurada na dela, intrépida e irresistível ao apetite mais modesto de qualquer homem. Imaginava Maria voando como Ícaro, com suas asas de penas feitas por Dédalo, mas que jamais derreteriam pelo calor do sol. Maria era o próprio sol, esquentando tudo à minha volta e incendiando minha alma. Desejava a potranca em minhas fantasias com o apetite de um estivador, sob o olhar desconfiado de minha mulher que me perguntava por que me distraía tanto com a janela. Pergunta para a qual já tinha a resposta, mas que teimava em me arrancar à confissão de provável delito. Naquela manhã, depois do costumeiro ritual da janela, larguei o jornal e saí para um passeio com Ana, minha mulher. Primeiro passaríamos na casa de amigos e depois almoçaríamos num restaurante habitual. O trânsito estava lento e o calor provocava um torpor que me lembrava a agonia daqueles cuja vida estava por um fio... - Afonso, notou o meu vestido novo? - Claro que sim... Está muito bonita... - Você anda tão distante... - Eu? - Com olhar perdido na janela toda manhã... - Ando preocupado com o mundo... Guerras... - Que guerras? - Sei lá... A do Iraque! Por um breve tempo desgrudei de mim mesmo e voei para longe deixando o inferno para trás. Foi quando o primeiro pensamento me veio à cabeça... - Meu Deus! Poderia segurar aqueles seios como pêssegos frescos... - Que pêssegos, Afonso? - Pêssegos? Eu falei em pêssegos? - Falou... Eu ouvi... Ela ouvia meus pensamentos! Procurei pensar em outra coisa. Mas não conseguia evitar a imagem de Maria... - Me deixa Maria, por favor! - pensei novamente. - Quem é Maria? - Eu não falei nada... - Mas eu escutei... Era a sua voz... - Queria segurar firme as suas pernas e me deitar sobre seu ventre! - Agora já é demais! Que pernas você quer segurar, seu cretino? São as pernas da tal Maria? - Deve ser o calor, querida... - Conheço bem esse calor! Tudo pareceu voltar ao normal e continuamos no trânsito infernal. Ana estava com cara de poucos amigos... - Quero fazer sexo na janela com você! - atacou outro pensamento. - Ficou louco? Sexo na janela? - Eu não falei nada... - Chega Afonso! Não quero falar mais... Guarde seus desejos com você... - Vou lhe beijar o corpo todo... - Você nunca falou isso comigo... - Você ouviu? - Ainda não estou surda... Mas até que foi diferente... Vamos para um lugar romântico... Vamos mudar nosso programa? - estava animada - Mas o Paulo e a Laura não vão nos perdoar... - A gente dá um jeito... - Se eu pudesse me livrar da minha mulher... - O quê? - Eu disse que queria me livrar de todos e ficar com você... - Você está estranho... - Deve ser alguma maldição... - Como assim? - Eu quero galopar em você! - Afonso! - Não é em você! - Em quem então? - Maria! - Quem é essa sem vergonha? - Não sei! - Pare o carro... Não fico aqui nem um segundo a mais... - Espere, Maria! - Desgraçado! Bateu a porta e sumiu entre os outros carros...Os pensamentos foram ficando distantes e eu pude respirar aliviado, ainda que pagasse os meus pecados derretendo lentamente no meu carro sem Ana e Maria. | ||