DEPRESSÃO
Aline Carvalho
 
 

Em Nossa Senhora tendo dó de mim (dó que, eu sei, nem sempre mereço), às vezes amanheço melhorzinha, como hoje. A dor lacinante, chaga no peito aberta a fogo, rubra e que consome infinitamente a minha carne transforma-se, pelo menos momentaneamente, em ferida quase fechada, cicatriz recente que repuxa e incomoda, mas não faz pensar em morte.

Dias há, porém, que essa é a única idéia que traz algum alívio. Sempre há a possibilidade de morrer - ignorantes são aqueles que não sabem: a única liberdade é escolher como - e principalmente quando - sair dignamente desta vida.

Não desconheço a razão de tanta dor, embora me seja difícil admiti-la. É doença, é obsessão, não tem explicação lógica a não ser uma vida que não é minha. Por isso o desejo de procurar solução até mesmo em coisas nas quais não acredito.

Chorar é alívio momentâneo - estou cansada, minha família está cansada, aquela represa ardente atrás dos meus olhos, diques frágeis que se rompem à menor percepção das coisas que estão ao meu redor... e elas estão por toda parte. Neste exato momento, sinto a inundação em fogo chegando... escrever tem esse efeito. Se eu começar a falar sobre as coisas perdidas, a barragem se rompe e, como já disse, estou cansada.

Procuro alívio em tudo: naquilo que eu nunca fiz, mas deveria ter feito. Antes tarde do que nunca? Não entendo direito, mas espero que o tempo, que o tempo, que o tempo...

Quero controlar meu pensamento. Trilho o caminho que me leva à loucura. Estou cansada de fingir.

Meu único consolo é que literatura é sempre ficção, mesmo que seja verdade.