SENSO
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães
 
 

Desprovida de qualquer sentido, a frase dita por não dita por mim, gato pardo acovardado encima do muro da minha cínica hipocrisia: "Nada a declarar" Enclausuro-me no toalete, empalmo o sabonete líquido perfumado - sêmen de deuses - e lavo as minhas mãos. O espelho convexo frontal me censura, faço vista curta e grossa e ouvidos moucos ao seu mudo apelo. Saio. As mãos, os punhos cerrados, mergulho-as nos bolsos como que para poupá-las do que lhes cabe. Na ponta da língua, trago a intumescência incurável, a inutilidade receptora de mil papilas gustativas que podem induzir ao pecado imperdoável da gula. Em boca fechada... não cheiro nem... o que os olhos vêem o coração... quem tiver ouvidos para ouvir... Não, não! Nunca! Chega! Basta! Talvez tenha tato mas nem tanto! Grenouille, Homero, Beethoven, Eros, Tanatos... não sou digno de vós.