SER
ESPECIAL
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Jacimara
Lourenço Tenório
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Fui
ao portão ver a sua partida, nada tão doloroso, depois
de anos vivendo sob o mesmo teto. Será que conseguiria viver
sem você? Minhas
pernas não tinham forças para alcançar a porta
de entrada, parecia estar me acabando, pouco a pouco, minha energia
esvaindo e um peso imenso sob meus ombros. Sabia
que não era momento para ficar frágil, era tempo de ser
forte e corajosa. Sempre me disseram que eu era forte, mas nesse momento
mal conseguia vencer os poucos metros para entrar em casa. Cheguei
até a porta da sala e pousei meu corpo sobre o sofá, fiquei
olhando os quadros, os retratos, a decoração e nada fazia
sentido. Não havia alegria, não havia companhia, havia
apenas solidão. Decidi
que não podia continuar naquela casa nem mais um minuto, pois
tudo ali me fazia lembrar os bons momentos passados ao lado de Ricardo. Peguei
minha bolsa, a chave do carro e sai em disparada para lugar algum, bem
distante dali. A estrada ia se desenhando a minha frente, os pés
no acelerador, a velocidade alta e a vontade de acabar com a minha vida. Parei
o carro um instante e o choro que estava preso, explodiu... Sentia raiva
de Ricardo, tanta raiva por ele não ter sido forte para vencer
os obstáculos da vida. Ele
que dizia me amar, não conseguiu compreender as razões
de Deus para nos colocarmos frente a frente, não conseguiu aceitar
um ser especial que estava sendo gerado por mim. Lembro
quando desconfiei do atraso das minhas regras, os enjôos, o mal
estar. Resolvi fazer os exames e o resultado da gravidez me tomou de
surpresa, mas estava feliz com aquele ser abençoado. Cheguei
em casa, ansiosa para contar a novidade e o fiz logo que ele entrou
em casa. Olhei-o de um jeito que logo percebeu que havia algo diferente.
Contei a tal novidade. Ele
me olhou e ficou alguns minutos parado, mas logo veio me envolvendo
com um longo abraço dizendo ser a pessoa mais feliz desse mundo. Tudo
parecia perfeito, eu estava com a pessoa que amava e esperando um filho
dele. Tem coisa mais perfeita? Fomos
juntos ao primeiro encontro com o médico, os meses foram passando,
a barriga crescendo. Íamos todos os meses ao médico para
acompanhar a minha gestação, e num desses encontros com
o médico, ele sugeriu fazer um exame para verificar alguns detalhes. Logo
ficamos sabendo que o bebê era portador da Síndrome de
Down. O mundo desabou e perdemos o rumo. A princípio senti um
grande desânimo, muito medo, mas era nosso bebê. Ricardo
tornou-se distante, já não acompanhava as minhas consultas
médicas, abandonou a decoração do quartinho do
bebê. Resolvi
conversar com ele sobre o assunto e ele simplesmente disse que não
podia viver com aquilo, que não conseguiria suporta esse fardo.
Esse Fardo? Não acreditava no que estava ouvindo,
esse bebê jamais seria um fardo, apesar de especial seria o nosso
bebê, um ser lindo, gerado com muito amor. Recordando
tudo isso, eu nesse carro, a barriga imensa, não sentia o bebê
mexer, parecia que ele percebia a minha angustia, a minha dor. Olhei
para dentro de mim e pedi a Deus forças para enfrentar tudo isso
e fazer o meu filho muito feliz. Pousei
minhas mãos na barriga e disse: Você me ajuda? Mamãe
estará ao seu lado sempre. De repente, um chute e uma resposta. Jamais
estaria sozinha, teria alguém muito especial ao meu lado, mesmo
diante de dificuldades, das muitas tempestades que iríamos passar. Nesse momento, enxuguei as minhas lágrimas, segui em direção a minha casa disposta a esquecer tudo isso e recomeçar minha vida. |